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São Paulo, domingo, 01 de junho de 2003

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MAUS ALUNOS

Afazeres cotidianos como dormir, alimentar-se, trabalhar e estudar parecem as coisas mais naturais do mundo. Ninguém se surpreende com um executivo agendando uma reunião ou um aluno estudando para a prova. No torvelinho das idéias recebidas, esquecemo-nos de que as formas como repousamos, comemos, nos ocupamos ou aprendemos são historicamente datadas e pouco têm de "natural".
Com efeito, não está inscrito em nossos genes que devemos dormir em camas nem há uma lei divina a exigir que estudantes sejam submetidos a testes. Como mostrou reportagem do caderno Sinapse publicada na última terça-feira, os exames escolares permanecem mais ou menos os mesmos desde que foram criados pelos jesuítas no século 16.
Enquanto a pedagogia e as ciências experimentaram significativos avanços ao longo dos últimos quatro séculos, a idéia de avaliar os alunos por meio de provas que procuram medir quanto o discípulo absorveu dos conhecimentos do mestre sobreviveu sem grandes alterações.
É natural, portanto, que reste uma certa inadequação entre a pedagogia moderna, que opera com conceitos como competências e habilidades e dá ao estudante um papel ativo em seu aprendizado, e os métodos de avaliação, entre os quais reina quase absoluta a quatricentenária prova.
O fenômeno guarda algo de paradoxal. É fácil criticar as provas. Elas tendem a medir mais a memória do aluno do que a sua capacidade de raciocinar. Tornam o estudante um sujeito passivo, com pouca ou nenhuma oportunidade de dizer o que pensa. Ao operar no sistema de médias, raramente traçam um perfil adequado do desempenho do avaliando. Seria contudo ingenuidade acreditar que a longevidade dos exames se deve a um capricho cósmico. Se perduraram por tanto tempo e em lugares tão distintos como o Brasil e a China, é porque de algum modo respondem a necessidades concretas.
Sobretudo na economia de mercado, em que tudo precisa ser valorado e a competição por empregos começa na pré-escola, a prova assume caráter de auditagem. É a garantia que os pais têm de que seu "investimento" nos filhos dá "retorno". Lutar contra essa tendência parece uma atitude quixotesca e inútil. Seria preciso combater forças muito poderosas para obter um ganho discutível. Afinal, os exames, ao reproduzirem em escala limitada a competitividade do chamado mundo real, não deixam de ser uma preparação para a vida, ainda que, do ponto de vista pedagógico, seus resultados sejam discutíveis, para dizer o mínimo.
Reconhecer o lugar especial que as provas adquiriram não significa necessariamente deixar de procurar ferramentas mais precisas para aferir o desenvolvimento de um aluno e ajudá-lo em suas dificuldades. Não deveria ser outro, aliás, o objetivo da avaliação. E não é porque a avaliação se tornou um fim em si mesmo que não se pode tentar "reinventá-la" em seus propósitos originais.


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