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São Paulo, domingo, 01 de junho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A redescoberta de Cristovam

ROBERTO LEAL LOBO E SILVA FILHO

Em recente manifestação, o ministro da Educação, Cristovam Buarque, a fim de viabilizar sua intenção de utilizar um exame nacional, ao final de cada série do ensino médio, para servir de subsídio à seleção de estudantes para o ensino superior, propôs reduzir o âmbito desse mesmo exame unicamente às disciplinas de português e matemática.
Com essa proposta, apesar de muito criticada, o MEC viabilizaria o exame nacional do ponto de vista financeiro e logístico e ainda iria ao encontro de uma corrente de educadores que considera essas duas disciplinas como suficientes para indicar a capacidade dos estudantes de acompanhar, com sucesso, qualquer curso superior -a não ser os das carreiras que exigem habilidades especiais, como música e educação física, entre outras.
Se o português e a redação (apesar das dificuldades de correção desta) já vinham sendo valorizados nos exames de seleção a partir do final da década de 80, tendo como justificativa a necessidade de leitura, a compreensão de textos e a articulação do pensamento discursivo, a relevância da matemática andou abandonada em nosso país de advogados (nada contra eles, mas contra o exagero). Quem sabe, vingando a proposta do ministro, o ensino de matemática no Brasil consiga dar o enorme salto necessário para poder se equiparar ao dos países mais desenvolvidos -onde esse ensino já é medíocre, sob todos os pontos de vista e padrões.
Talvez fosse a hora, aproveitando a valorização da matemática -disciplina que os alunos brasileiros detestam em sua esmagadora maioria e da qual nossos intelectuais acham graça em afirmar que nunca foram bons alunos-, para rediscutir seu ensino, principalmente nas classes fundamentais.
A matemática é parte integrante da cultura moderna e seu domínio abre portas a profissionais das mais diferentes áreas. Os modelos matemáticos, embora não esgotem a realidade, são ferramentas importantes para a compreensão de fenômenos em áreas tão distintas como física, química, biologia, psicologia, economia, gestão e administração, entre muitas outras, porque permitem prever, dentro de certos limites, as consequências e os desdobramentos de situações diferentes da inicial.


A matemática é parte integrante da cultura moderna e seu domínio abre portas a profissionais das mais diferentes áreas


No Brasil, o ensino da matemática seguiu a tendência mundial que tomou corpo na virada do século 20, saltando de uma visão quase experimental e intuitiva, em que seus objetos eram considerados como parte da descrição do mundo real e presentes na natureza, para uma postura formalista, com ênfase no simbolismo e na lógica matemática. Foi a famosa "matemática moderna" que invadiu nossas escolas.
Essa visão sofisticada e desligada dos fatos práticos entrou fortemente no ensino da matemática, sem a correta compreensão dos professores. Em vez de tentarem entender a aritmética e a geometria, era a teoria dos conjuntos o grande desafio que nossos professores tentavam, em vão, assimilar. Como ensinar, sem recorrer à mera memorização, a solução de equações do segundo grau, o significado de suas raízes e de sua existência? Sem saber a resposta, a preocupação era ensinar como descrever o conjunto de soluções na grafia adequada. E lá se foi nossa matemática.
Num nível superior, a enxurrada de teoremas, sem motivação e sem explicações de suas limitações e dos caminhos para entendê-los, ajudou a criar professores incapazes de ver o que é simples e de transmitir a verdadeira forma de criar no mundo da matemática. Apresentados a esse formalismo árido, que se converteu, na prática, em decorar fórmulas e teoremas, o aluno brasileiro e o da maioria dos outros países fugiram da matemática.
É preciso repensar o ensino de matemática, mudando sua forma de apresentação primeiramente a nossos professores, para que eles possam ensinar nossos filhos.


Roberto Leal Lobo e Silva Filho, 64, doutor em física pela Universidade de Purdue (EUA), é diretor da Lobo e Associados Consultoria e Participações. Foi reitor da USP (1990-93) e da Universidade de Mogi das Cruzes (1996-99).


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