São Paulo, terça-feira, 01 de junho de 2010

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Editoriais

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Receita duvidosa

O Código de Ética Médica, o Conselho Federal de Medicina, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária e até um código de condutas da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa proíbem o recebimento de benefícios -dinheiro, brindes, viagens- em troca da prescrição de medicamentos específicos.
Não há carência de regulamentos, portanto, a condenar relações promíscuas entre médicos e fabricantes de remédios ou equipamentos hospitalares. Apesar das normas, 93% dos médicos paulistas obtiveram algum tipo de vantagem da indústria.
O dado veio à luz em pesquisa do Cremesp (Conselho Regional de Medicina) realizada com 600 profissionais. A amostra é representativa dos cerca de 100 mil médicos do Estado de São Paulo.
É verdade que, dos que recebem visitas de propagandistas, só 48% terminam por prescrever o medicamento por eles promovido. Mas a mera presença do representante da indústria no consultório projeta uma sombra de suspeita sobre a relação médico-paciente, que deveria primar pela confiança.
A sondagem evidencia a falta de clareza sobre os limites éticos da profissão. Ao mesmo tempo em que a maioria dos médicos aceita os mimos, 52% dos ouvidos concordam que devam ser proibidos de receber qualquer tipo de brinde, presente, bem material ou apoio financeiro, em todas as situações. Ou seja, são muitos os que praticam aquilo que, na sua opinião, deveria ser banido.
De um lado e de outro desse balcão, a justificativa mais usada para as investidas promocionais é a difusão de informações científicas para atualização do profissional. Trata-se de um argumento falacioso, senão hipócrita.
Em primeiro lugar, com a internet a literatura médica está ao alcance de todos os que têm acesso a um computador. Se até pacientes leigos se valem dela, por que não o fariam seus clínicos?
Depois, as pesquisas compiladas pelos departamentos de marketing dos laboratórios serão fatalmente enviesadas. Apenas os resultados favoráveis ao produto do fabricante ganharão destaque. O médico que se fiar nelas estará traindo a obrigação primeira de buscar o melhor tratamento para quem lhe confia sua saúde.
Boas regras não faltam. Falta o passo seguinte: obedecê-las.


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