São Paulo, quarta-feira, 01 de agosto de 2007

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Apagão estratégico

ROBERTO LUIS TROSTER

Em vez de mais um apagão, se tomadas as medidas devidas, a alta do petróleo se refletirá em uma fonte de riqueza para o país

H Á ALGUMAS semanas, o preço do petróleo ronda o seu recorde histórico, originando preocupações sobre seu impacto na economia mundial. Na última quinta-feira, ao bater a segunda maior cotação histórica combinada com anúncios de problemas no mercado imobiliário dos EUA, as Bolsas no mundo inteiro tiveram quedas recordes. Seria um sinal de reversão nos fluxos para países emergentes: risco-país disparando, Bolsas despencando, juros em alta e uma reversão no crescimento econômico. Levantaram-se temores infundados de um apagão financeiro. O termo apagão vem da crise do setor elétrico em 2001, em razão dos cortes e racionamentos de luz. Foi o resultado de anos de descaso no setor de energia. A política para esse campo era de reações a problemas circunstanciais, e não de planejamento de longo prazo.
Não pensar no futuro custou caro. Há mais apagões: aéreo, da infra-estrutura, do Judiciário, dos portos, da estrutura agrária, da segurança, da saúde pública, da educação, do Orçamento, da legislação trabalhista, da inserção externa e da política. Apesar dos apagões, a economia brasileira deve crescer cerca de 4,5% neste ano, sem inflação, com o câmbio se apreciando, com os juros caindo e com a Bolsa de Valores batendo recordes de alta. A causa é um quadro econômico mundial e interno sem paralelos no passado.
O mundo vive um novo paradigma, com outros desafios. A estabilidade macroeconômica, as novas tecnologias, os ganhos de produtividade e a maior abertura comercial e financeira deram uma nova dinâmica às economias. Mesmo com a desaceleração dos Estados Unidos, a economia mundial deve crescer 5,2% neste ano, com destaque para a China, crescendo 11,5%, a Rússia, 7%, e a Índia, 9%. Nesse quadro, uma alta do preço do petróleo tem impactos negativos na economia norte-americana, mas é benéfica, em vez de prejudicial, à economia brasileira. Quanto mais caro forem os combustíveis fósseis, melhor para o país.
O Brasil tem uma vantagem competitiva nos biocombustíveis reconhecida mundialmente. O Pró-Álcool foi desenvolvido por ocasião do primeiro choque do petróleo. A cadeia produtiva do álcool brasileira -preparação da terra, formação de mudas, plantio, colheita, refinação, armazenamento, desenvolvimento de motores etc.- é a mais sofisticada da atualidade. O mundo está acordando para os biocombustíveis, enquanto o Brasil está três décadas à frente. Nesse sentido, as ações necessárias para consolidar o Brasil como pólo mundial de biocombustíveis já estão diagnosticadas: padronização mundial de sua produção; investimentos em pesquisa; um programa de estocagem apropriado; um regime de comercialização adequado; um tratamento tributário justo; investimentos em pesquisa e tecnologia; um monitoramento contínuo da matriz energética mundial; e um gerenciamento sistêmico do projeto. Em vez de mais um apagão, se tomadas as medidas acima, a alta do petróleo se refletirá em uma fonte de riqueza para o país.
Se por um lado os apagões não eram esperados, há também surpresas positivas no cenário brasileiro, alguns clarões: a demanda por biocombustíveis, a elevação do preço de algumas exportações brasileiras, uma abertura comercial internacional maior, novas tecnologias, o crescimento mais rápido do mundo, há uma abundância de recursos à procura de investimentos produtivos no mundo -enfim, oportunidades para alavancar o crescimento abundam. O novo paradigma mundial combinado com o quadro macroeconômico interno permite melhorar ainda mais o desempenho econômico do país.
Para tanto, temos que eliminar o apagão estratégico. Décadas de volatilidade econômica nos tornaram hábeis e criativos para enfrentar crises e apresentar soluções heterodoxas. Mas não conseguimos planejar bem. Os apagões são exemplos dessa falta de visão de longo prazo. O Brasil pode crescer e se desenvolver muito a médio prazo, mas se foca apenas em resolver as questões mais imediatas e as considerando como permanentes.
Países que planejam conseguem evitar apagões. A capacidade de desenvolvimento do Brasil é grande e há condições de prosperidade que não devem mais ser desperdiçadas. Para isso, é necessário pensar sistematicamente no futuro e nos especializarmos em antecipar problemas, em substituição à miopia atual. Há um horizonte promissor que deve ser usufruído.


ROBERTO LUIS TROSTER, 56, doutor em economia pela USP, foi economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), da ABBC e do Banco Itamarati.

robertotroster@uol.com.br

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