São Paulo, domingo, 01 de setembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SOMBRAS SOBRE 2003

O final do terceiro trimestre de 2002 chega sob a marca da desaceleração da atividade econômica e da piora nos indicadores financeiros internos e externos do Brasil.
A especulação cambial e as oscilações da campanha eleitoral praticamente monopolizam as atenções. Mas já é possível antever lenta e decisiva acumulação de sombras sobre o cenário econômico de 2003.
A situação como um todo é complicada pela desaceleração da economia mundial, sobretudo pela fragilização da confiança nos rumos da economia norte-americana.
Sobre esse pano de fundo, a herança do governo FHC é um Estado com as finanças alquebradas e uma economia cuja condição paradoxal de sobrevivência é manter-se anêmica.
O ajuste recessivo e a contenção das despesas públicas são condições para que a economia produza os saldos no comércio exterior sem os quais a escassez de dólares levaria o país a uma situação de emergência. Para não quebrar, não pode crescer.
Nos últimos dias houve uma redução da turbulência nos mercados cambiais. Findo agosto, o dólar caiu cerca de 12% diante do real.
Essa relativa calmaria, no entanto, não pode ser confundida com recuperação da moeda brasileira. Parece mais razoável interpretar o movimento recente como a correção dos exageros de pessimismo.
Uma autêntica recuperação da confiança, no entanto, dificilmente virá no curto ou mesmo no médio prazo.
O ciclo político favorece essa projeção. O governo FHC vem produzindo medidas cujos custos recairão sobre o próximo presidente.
O mais provável é que o futuro ocupante do Planalto, seja quem for, passará a primeira metade do seu mandato gerenciando a contenção de despesas, buscando a recuperação de receitas e até evitando um crescimento excessivo da economia.
Os riscos de crescer demais começam pelo setor energético, cuja crise também envolve dimensões internacionais, mas passa pelo desequilíbrio financeiro crescente no setor elétrico e também nos derivados de petróleo.
No setor elétrico, a crise é tão profunda que algumas das empresas já cogitam a venda de suas bases no país. Investimentos no setor são uma hipótese ainda mais remota.
Por enquanto, o governo faz o que pode para adiar reajustes de tarifas, mas o próprio Banco Central estima em 20,7% a alta da energia em 2003. A gasolina está sem reajuste nas refinarias desde junho. O petróleo subiu 31,4% no mercado mundial desde 31 de dezembro, e o governo optou por segurar o repasse aos preços pelo menos até o fim das eleições.
O orçamento público estará a partir de 2003 sob o impacto da exaustão de fontes extraordinárias de arrecadação. Na programação para o ano que vem o governo já indica uma queda real de receitas de 2,1% e de 3,5% nas despesas e corta em termos reais os investimentos públicos (excluindo educação e saúde) em 10,6%.
De volta à macroeconomia, a superação de uma fase de especulação cambial mais intensa não tem produzido prognósticos de valorização do real. O relaxamento das metas inflacionárias já reflete um realismo das autoridades monetárias, fruto da percepção de que o financiamento externo será difícil por bom tempo.
A superação momentânea do pessimismo especulativo não autoriza esperanças de uma rápida recuperação econômica. A política econômica implantada com o Real exauriu-se. A conta de mais essa experiência mal começou a ser cobrada.



Texto Anterior: Editoriais: RETRATO DA REVIRAVOLTA
Próximo Texto: São Paulo - Clóvis Rossi: A onda e o sangue
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.