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CLÓVIS ROSSI
Memória não é revanche
SÃO PAULO - Para quem lidou
tantas e tantas vezes com o tema da
repressão durante o ciclo militar,
chega a ser surpreendente a hipótese de que pudesse haver alguma
reação das Forças Armadas ao livro
"Direito à Memória e à Verdade",
que acaba de ser lançado pelo governo federal.
O título, aliás, é daqueles que
proíbem qualquer contestação: todo país tem o direito inalienável à
memória, ainda que possa ser tenebrosa em alguns momentos (ou
muitos momentos), e à verdade,
por desagradável que possa ser.
Na verdade, o que deveria surpreender é a tardança do Estado
brasileiro em dar um passo na direção da "memória e da verdade". O
país é o último dos sul-americanos
que foram submetidos à ditaduras
militares a examinar com a devida
lupa os abusos ocorridos.
Houve, sim, esforços particulares
ou da sociedade civil. Sob comando
da Arquidiocese de São Paulo,
quando dom Paulo Evaristo Arns
era o cardeal-arcebispo, publicou-se o "Nunca Mais", ampla compilação das violências praticadas.
Livros, saíram muitíssimos, inclusive de autoria de oficiais que
participaram do mecanismo repressivo. Nunca é demais louvar o
extraordinário trabalho do jornalista Elio Gaspari nos quatro volumes (até agora) sobre o período
militar, em que o mecanismo repressivo foi bastante esmiuçado,
não só do ponto de vista operacional mas também sobre a, digamos,
formatação da repressão nos escalões superiores.
Mas esses livros, justamente por
terem sido elaborados do lado de
fora do aparelho de Estado, não puderam dar conta completa do quesito "memória". Não puderam, por
exemplo, como é óbvio, devolver os
corpos de "desaparecidos" às famílias. Seria absurdo confundir esse
ato, profundamente humanitário,
com revanchismo. A memória só é
revanchista para quem tem consciência culpada.
crossi@uol.com.br
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