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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Muito além dos grampos
SÃO PAULO - Eu desconfio muito
dos veementes, dizia Nelson Rodrigues, ele próprio o mais hiperbólico
dos nossos escritores, a quem nunca faltou, como tempero da vocação
trágica, o veneno da ironia. E como
toda unanimidade não é apenas
burra mas sobretudo perigosa, desconfiemos dos veementes.
No caso, dos que estufam o peito
para nos alertar que o Estado de Direito está sob ameaça, o que tem
ocorrido sempre que alguém da
turma da cobertura vai preso.
Quantos condenados existem hoje no país que já cumpriram sentença, mas seguem em cana? Alguns
milhares. E quantos mofam no xilindró à espera de julgamento, em
prisão temporária ou preventiva?
Estima-se que 30% da população
carcerária, algo como 150 mil pessoas. Quem se escandaliza?
Nem todos têm a mesma opportunity perante o STF. Foi preciso
que os arbítrios da polícia chegassem ao topo do edifício social para
que os arautos da legalidade começassem a se movimentar, veementes, indignados. Em pulso de preto,
algema nunca foi abuso, mas pulseira de luxo. Está certo Joaquim Barbosa quando diz que certa elite monopoliza a agenda do Supremo.
Sim, é grave, é gravíssimo o grampo contra Gilmar Mendes. E também muito estranho: é a primeira
vez que a revelação do conteúdo de
uma escuta telefônica ilegal é boa
para os dois grampeados.
Muito se falará ainda desse caso.
Por ora, há coisas nebulosas e muitos interesses em jogo a serem esclarecidos. A Abin terá de se explicar. É provável que rolem cabeças.
Sobre o delegado Protógenes e
seus métodos, vale repetir: o inquérito que comandou é obtuso, leviano e flerta com a delinqüência em
várias das suas conclusões.
Tenhamos isso sempre em mente. Mas sem permitir que, em nome
da boa causa contra as ilegalidades
da polícia, os veementes invoquem
uma hipotética ameaça institucional para preservar privilégios e perpetuar a impunidade de uma casta
que vive zombeteira acima da lei,
como é óbvio ululante há 500 anos.
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