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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Dilma no espelho
SÃO PAULO - Como a sua aprovação popular traduz, Lula fez um governo de comunhão nacional. Um
governo que patrocinou ganhos
consideráveis aos mais pobres sem
que nenhum interesse dos poderosos tenha sido arranhado. O próprio presidente nunca cansou de
alardear, referindo-se aos bancos:
"Nunca ganharam tanto dinheiro".
Valeria para empreiteiras etc.
Na quase totalidade das vezes, os
enfrentamentos retóricos que Lula
protagonizou foram apenas isso
-brigas retóricas, fumaça verbal.
Na condução da economia, ele foi
conservador e extremamente cauteloso. Na política, concedeu o que
foi necessário à tradição patrimonialista, abençoando o casamento
da velha fisiologia com os piores aspectos do petismo. Ao mesmo tempo, seu governo agiu sobre o país
como uma espécie de morfina social. É por isso que será lembrado.
Eleita por obra e graça do padrinho, Dilma Rousseff herda esse arranjo complexo e delicado que sustenta o lulismo. O que fará dele e
com ele é uma grande incógnita.
Lula governou por assimilação,
por cooptação, acomodando conflitos. Dilma terá essa vocação? Terá
condições de exercê-la, diante da
variedade de interesses e do gigantismo de sua base de apoio?
Há, no PT, quem veja nessa vitória a oportunidade histórica para
executar uma política mais claramente de esquerda. Mas há, também, quem considere Dilma refém
demais das circunstâncias, além de
lulo-dependente, para ousar qualquer passo em falso. Entre visões
díspares e até antagônicas, a futura
Presidência parece mais cercada de
dúvidas do que de expectativas.
Não tenho memória de outra
candidatura presidencial no país
tão ostensivamente tutelada. O gesso que Dilma usou numa das pernas durante parte da disputa talvez
fosse a peça mais maleável da sua
persona política. Ao acordar hoje,
livre da armadura da campanha, é
possível que a própria presidente
eleita estranhe o rosto que estará a
observá-la do lado de lá do espelho.
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