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CARLOS HEITOR CONY
Um caso banal
RIO DE JANEIRO - Não foi por e-mail, foi por carta mesmo, daquelas
que no envelope já trazem uma
bem intencionada mensagem natalina. Era uma carta anônima, mal
datilografada, de um cidadão que se
declarou comissário de polícia. Ao
contrário das cartas anônimas, não
continha infâmias nem ameaças,
revelava apenas um caso que o
missivista achava que deveria ser
divulgado.
O problema era o seguinte: numa
batida policial, ele prendera um
menor, J.G.M., de 14 anos, que vendia drogas. Não era um viciado,
nunca usara drogas, entrara no negócio porque era mais rendoso vender maconha ou coca do que drops
ou mariolas. Tinha abastecimento
seguro, o pessoal do tráfico gostava
dele, era honesto e esforçado.
O policial perguntou como o guri
entrara naquele tipo de comércio.
Fácil: o pai fora assassinado pela
polícia num tiroteio contra traficantes no morro da Formiga. Era
pedreiro e biscateiro, não tinha nenhuma relação com a droga, não se
drogava nem traficava, apenas ia
passando e levou um tiro, não importava se de arma da lei ou se de
arma fora da lei.
Com a mãe sofrendo de erisipela,
mais dois irmãos menores, ele teve
de assumir a pasta da fazenda daquela modesta família. Pensou em
ser engraxate, em vender os citados
drops, em outros misteres que julgava apropriado para a sua condição de menor quase analfabeto.
Encontrou um rapaz, pouco mais
velho do que ele, de 19 anos, que o
iniciou no tráfico. A diferença é que
o professor era, ele próprio, um viciado, que não durou muito: morreu numa briga entre traficantes.
Decidido a não experimentar a
droga, ele achava que estava numa
boa, ganhava alguma coisa e não pagava o preço do vício. Ficou preso
numa delegacia de menores. Tornou-se viciado.
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