São Paulo, sábado, 02 de março de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O TSE acertou ao vincular as alianças partidárias nos Estados às federais?

NÃO

Válido, mas inoportuno

JOSÉ ROBERTO BATOCHIO

Em 8 de agosto de 2001 a sucessão presidencial ainda era um cenário em construção. O Planalto não tinha candidato (Tasso Jereissati ainda estava na coxia) e a governadora Roseana Sarney nem aparecia na televisão e nas pesquisas, lideradas folgadamente pelos oposicionistas.
Mas as bruxas já acendiam fogueiras nos bastidores. Além das insídias habituais contra as oposições, medrava, nos corredores do Congresso, o burburinho de que os jurisconsultos do poder engendravam uma fórmula sinistra para intervir na livre formação de alianças, negando aos pequenos e médios partidos a diversidade da união que os revigora. Tal como têm se empenhado em acabar com as coligações nas eleições proporcionais, arbitrariedade já aprovada pelo Senado, os sucessores do dr. Francisco Campos urdiam um plano para dificultar as coligações: a aliança interpartidária para a Presidência da República teria de ser repetida nas eleições para os governos estaduais, Senado, Câmara e Assembléias Legislativas.
Afigurava-se incrível, posto que o artigo 6º da Lei Eleitoral (lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997) faculta aos partidos políticos celebrarem coligações distintas desde que não sejam "dentro da mesma circunscrição". As alianças existem desde que temos Direito eleitoral, introduzido pelo Código de 1932, fruto das lutas modernizadoras que desaguaram na Revolução de 30.
Se hoje viceja a poligamia eleitoreira, cuja promiscuidade deve mesmo ser combatida, o remédio democrático é o amplo debate nacional, seguido de lei votada pela casa do povo por excelência, que é o Congresso. Até lá, cabe-nos respeitar a regra vigente, a mesma sob cuja égide foram realizadas, serenamente, as eleições de 1998 e 2000, regidas pelo sistema das alianças múltiplas, fruto de particularidades típicas de um país continental, de nuanças regionais fortíssimas. Nesse ambiente, é truísmo dizer que se pode escolher o inimigo, mas não se pode escolher o aliado.
Seguindo o princípio de que o inimigo do meu inimigo pode ser meu aliado sem se tornar meu amigo, agremiações antípodas fazem acordos táticos. No Acre, num exemplo eloquente, o PT e o PSDB uniram-se em 1998 para eleger o governador Jorge Viana, enquanto os candidatos desses dois partidos digladiavam-se, inclusive naquele Estado, pela Presidência da República. A letra e o espírito da lei 9.504/67 foram respeitados e as eleições validadas pelo TSE.
Com o objetivo de prevenir possível trama que visasse tumultuar as coligações e tendo em vista o cenário paulista, redigi, com o deputado Miro Teixeira, em 8 de agosto de 2001, uma consulta ao TSE, na expectativa de dois resultados: 1) A resposta seria dada em poucas semanas, até por folga da pauta (e o limite para qualquer mudança no processo eleitoral era 5 de outubro, ou seja, até o período de 12 meses antecedentes ao pleito de 6 de outubro de 2002);
2) Na resposta, não poderia o tribunal contrariar o preceito legal meridiano que presidiu as eleições anteriores, nas quais, convém frisar e repisar, as coligações para a Presidência não foram obrigatoriamente repetidas nas esferas estaduais.
No entanto, o TSE demorou seis meses para dar a resposta e, apesar do excesso, parodiando o padre Vieira, o tribunal, com o devido respeito, não teve tempo de ser justo. À exceção dos votos dos ministros Sepúlveda Pertence e Sálvio Teixeira de Figueiredo, e contrariando o parecer da Procuradoria Geral da República, homologado pelo procurador Geraldo Brindeiro, o TSE fez da resposta à consulta uma instrução normativa. Agiu não só ao arrepio do Direito como criou uma norma eleitoral inovadora, que, além de artificial, viola a Constituição, cujo artigo 16 (redação da emenda nº 4/1993) veda qualquer alteração no processo eleitoral a menos de um ano antes das eleições. Como se vê, o legislador foi sábio e prudente ao prevenir casuísmos, tão próprios da República Velha, que mudavam as regras do jogo entre o primeiro e o segundo tempo da disputa democrática.
Na prática, o TSE instalou confusão jurídica num campo em que o Brasil deve arar com cuidado, tantos têm sido os pesticidas nele lançados pelos inimigos da democracia, para matar o trigo e colher o joio. Um dos pressupostos do Estado de Direito é a regra justa, clara e estável, raridade entre nós, sendo, portanto, conveniente assinalar que, pela primeira vez em nossos hiatos democráticos, teríamos três eleições consecutivas regidas pelas mesmas regras legais.
O remédio contra esse mal súbito que ora fere a liberdade partidária tanto pode ser uma ação direta de inconstitucionalidade contra o ato normativo do TSE, a ser ajuizada no Supremo Tribunal Federal, como a emenda à Constituição (já tramitando no Senado) explicitando, se é que ao Sol se pede clareza, a legitimidade das coligações diversas.
Tanto uma como outra padecem, a meu ver, de um inconveniente grave, qual seja, a falta de tempo. Daí porque abre-se o caminho da edição de decreto legislativo que reponha a originalidade da lei principal. Afinal, um outro Poder invadiu a competência normativa exclusiva do Congresso para dispor sobre matéria eleitoral (art. 49, inciso XI, da Constituição).
Ao cabo, convém indagar, se ainda valer nesta República a lógica aristotélica segundo a qual duas assertivas contrárias não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo, qual das duas eleições será ilegal: a de 1998, em que as coligações diversas foram permitidas, ou esta que vamos realizar em outubro, com os partidos garroteados?


José Roberto Batochio, 52, advogado criminalista, deputado federal por São Paulo, é vice-líder do PDT na Câmara dos Deputados e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil.

E-mail: dep.robertobatochio@camara.gov.br



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