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TENDÊNCIAS/DEBATES
O TSE acertou ao vincular as alianças partidárias nos Estados às federais?
NÃO
Válido, mas inoportuno
JOSÉ ROBERTO BATOCHIO
Em 8 de agosto de 2001 a sucessão
presidencial ainda era um cenário
em construção. O Planalto não tinha
candidato (Tasso Jereissati ainda estava
na coxia) e a governadora Roseana Sarney nem aparecia na televisão e nas pesquisas, lideradas folgadamente pelos
oposicionistas.
Mas as bruxas já acendiam fogueiras
nos bastidores. Além das insídias habituais contra as oposições, medrava, nos
corredores do Congresso, o burburinho
de que os jurisconsultos do poder engendravam uma fórmula sinistra para
intervir na livre formação de alianças,
negando aos pequenos e médios partidos a diversidade da união que os revigora. Tal como têm se empenhado em
acabar com as coligações nas eleições
proporcionais, arbitrariedade já aprovada pelo Senado, os sucessores do dr.
Francisco Campos urdiam um plano
para dificultar as coligações: a aliança
interpartidária para a Presidência da
República teria de ser repetida nas eleições para os governos estaduais, Senado, Câmara e Assembléias Legislativas.
Afigurava-se incrível, posto que o artigo 6º da Lei Eleitoral (lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997) faculta aos partidos políticos celebrarem coligações distintas desde que não sejam "dentro da
mesma circunscrição". As alianças existem desde que temos Direito eleitoral,
introduzido pelo Código de 1932, fruto
das lutas modernizadoras que desaguaram na Revolução de 30.
Se hoje viceja a poligamia eleitoreira,
cuja promiscuidade deve mesmo ser
combatida, o remédio democrático é o
amplo debate nacional, seguido de lei
votada pela casa do povo por excelência, que é o Congresso. Até lá, cabe-nos
respeitar a regra vigente, a mesma sob
cuja égide foram realizadas, serenamente, as eleições de 1998 e 2000, regidas pelo sistema das alianças múltiplas,
fruto de particularidades típicas de um
país continental, de nuanças regionais
fortíssimas. Nesse ambiente, é truísmo
dizer que se pode escolher o inimigo,
mas não se pode escolher o aliado.
Seguindo o princípio de que o inimigo
do meu inimigo pode ser meu aliado
sem se tornar meu amigo, agremiações
antípodas fazem acordos táticos. No
Acre, num exemplo eloquente, o PT e o
PSDB uniram-se em 1998 para eleger o
governador Jorge Viana, enquanto os
candidatos desses dois partidos digladiavam-se, inclusive naquele Estado,
pela Presidência da República. A letra e
o espírito da lei 9.504/67 foram respeitados e as eleições validadas pelo TSE.
Com o objetivo de prevenir possível
trama que visasse tumultuar as coligações e tendo em vista o cenário paulista,
redigi, com o deputado Miro Teixeira,
em 8 de agosto de 2001, uma consulta ao
TSE, na expectativa de dois resultados:
1) A resposta seria dada em poucas semanas, até por folga da pauta (e o limite
para qualquer mudança no processo
eleitoral era 5 de outubro, ou seja, até o
período de 12 meses antecedentes ao
pleito de 6 de outubro de 2002);
2) Na resposta, não poderia o tribunal
contrariar o preceito legal meridiano
que presidiu as eleições anteriores, nas
quais, convém frisar e repisar, as coligações para a Presidência não foram obrigatoriamente repetidas nas esferas estaduais.
No entanto, o TSE demorou seis meses para dar a resposta e, apesar do excesso, parodiando o padre Vieira, o tribunal, com o devido respeito, não teve
tempo de ser justo. À exceção dos votos
dos ministros Sepúlveda Pertence e Sálvio Teixeira de Figueiredo, e contrariando o parecer da Procuradoria Geral da
República, homologado pelo procurador Geraldo Brindeiro, o TSE fez da resposta à consulta uma instrução normativa. Agiu não só ao arrepio do Direito
como criou uma norma eleitoral inovadora, que, além de artificial, viola a
Constituição, cujo artigo 16 (redação da
emenda nº 4/1993) veda qualquer alteração no processo eleitoral a menos de
um ano antes das eleições. Como se vê,
o legislador foi sábio e prudente ao prevenir casuísmos, tão próprios da República Velha, que mudavam as regras do
jogo entre o primeiro e o segundo tempo da disputa democrática.
Na prática, o TSE instalou confusão
jurídica num campo em que o Brasil deve arar com cuidado, tantos têm sido os
pesticidas nele lançados pelos inimigos
da democracia, para matar o trigo e colher o joio. Um dos pressupostos do Estado de Direito é a regra justa, clara e estável, raridade entre nós, sendo, portanto, conveniente assinalar que, pela primeira vez em nossos hiatos democráticos, teríamos três eleições consecutivas
regidas pelas mesmas regras legais.
O remédio contra esse mal súbito que
ora fere a liberdade partidária tanto pode ser uma ação direta de inconstitucionalidade contra o ato normativo do
TSE, a ser ajuizada no Supremo Tribunal Federal, como a emenda à Constituição (já tramitando no Senado) explicitando, se é que ao Sol se pede clareza, a
legitimidade das coligações diversas.
Tanto uma como outra padecem, a
meu ver, de um inconveniente grave,
qual seja, a falta de tempo. Daí porque
abre-se o caminho da edição de decreto
legislativo que reponha a originalidade
da lei principal. Afinal, um outro Poder
invadiu a competência normativa exclusiva do Congresso para dispor sobre
matéria eleitoral (art. 49, inciso XI, da
Constituição).
Ao cabo, convém indagar, se ainda valer nesta República a lógica aristotélica
segundo a qual duas assertivas contrárias não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo, qual das duas eleições será
ilegal: a de 1998, em que as coligações diversas foram permitidas, ou esta que vamos realizar em outubro, com os partidos garroteados?
José Roberto Batochio, 52, advogado criminalista, deputado federal por São Paulo, é vice-líder do PDT na Câmara dos Deputados e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil.
E-mail: dep.robertobatochio@camara.gov.br
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