São Paulo, quarta-feira, 02 de abril de 2008

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Alguma coisa acontece nas mentes tucanas

JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE

O tucanato dá novo passo em trajetória descendente: de um partido de quadros a uma legenda dilacerada pelo caciquismo regionalista

INDEPENDENTEMENTE do que possamos almejar para a Prefeitura de São Paulo nas próximas eleições, a sorte já está lançada: algumas opções se tornaram improváveis, certas coisas já não vão ocorrer e assim, eliminando-se o que se tornou impossível, sobra apenas o que é inevitável.
O quadro que prevaleceu em São Paulo até a eleição de Marta Suplicy -um embate entre a direita e a esquerda, com os moderados imprensados no centro- tornou-se extremamente improvável. Um dos pólos será um candidato "natural" de situação.
O outro terá que ocupar o espaço da oposição, um espaço também "natural", mas com as cores da revanche.
O PT e o governo Lula não podem ceder a candidatura de oposição em São Paulo a um aliado qualquer nem escalar um petista sem voto como foram, no passado, Plinio Sampaio, José Dirceu ou José Genoino. Está em jogo a continuidade de seu projeto de poder a partir de 2010.
Se a oposição nacional não for derrotada em São Paulo e a ascensão de Serra como candidato presidencial não for revertida ou seriamente comprometida, a probabilidade de obter um terceiro mandato para Lula torna-se insignificante e as chances de eleição de um "poste" graças à magia presidencial caem pela metade.
Não nos iludamos, Lula virá com tudo, e Marta, com a naturalidade da candidatura caindo-lhe ao colo, não poderá escapar ao "sacrifício", sobretudo depois que tantas cabeças de barões petistas rolaram com o mensalão.
Com Lula empenhando seu futuro político -um futuro, como diria Montesquieu, que põe em jogo "sua vida, seus bens e sua honra"- e com Marta em campanha, não haverá escolha em matéria de alvo. Se o PT não concentrar suas baterias na gestão Serra/Kassab, o candidato de situação terá um avenidaço para desfilar uma campanha positiva e propositiva.
E com ampla probabilidade de vitória.
Poderá haver algum Chico Rossi e uns tantos nanicos, mas, para eles, como para Maluf, o espaço tornou-se rarefeito diante de um quadro acirrado de luta pela sobrevivência.
O grande complicador é o pólo que goza da situação mais confortável. A gestão Serra/Kassab conta com boa avaliação e dispõe de uma plataforma de lançamento como nunca os tucanos tiveram: o controle político-eleitoral da capital e do Estado.
Isso permitiria aos situacionistas enfrentar as eleições municipais e, mais tarde, estaduais e presidenciais em patamar significativamente mais confortável do que os de 94, 98, 2002, 2004 e 2006. Isso não é pouco dizer.
Qual é a complicação? Trata-se de uma controvérsia, aparentemente doutrinária, entre "candidatura própria" e "manutenção da aliança". Uma controvérsia que vale apenas para tucanos abaixo do Trópico de Capricórnio, uma vez que não vale em Minas, nem na Bahia, nem em Pernambuco, nem muito menos no Ceará.
Os partidários da "candidatura própria" querem que o atual prefeito não se apresente à própria reeleição para abrir caminho à candidatura Alckmin. Isso, naturalmente, não vai acontecer. E os partidários da "manutenção da aliança" querem que os cardeais tucanos neguem a legenda a Geraldo Alckmin para abrir caminho para a candidatura Kassab. Isso também não vai acontecer.
De um lado, Gilberto Kassab não pode moralmente se furtar ao julgamento popular e, com boa avaliação e popularidade em alta, não tem razão para fazê-lo. Geraldo Alckmin, por sua vez, irá até o fim. Sabendo que não pode remover a candidatura do atual prefeito, como sabe também que o veto de um cardeal tucano à sua própria candidatura não vai acontecer, verá praticamente reduzidas a zero suas chances de recuar engrandecido pelo papel de vítima.
Assim sendo, uma vez que o candidato de situação será... o próprio prefeito, Alckmin será o candidato próprio. Mas poderá ser um candidato apropriado? Se sua mensagem for de continuidade, encontrará um espaço já ocupado e, se for de ruptura, não terá como disputar a primazia do PT.
Se Gilberto Kassab não traiu e sua gestão não é incompetente nem corrupta, por que diabos os tucanos haverão de romper com seu próprio governo? Pelo prazer de entrar em bola dividida?
O resultado é que o PSDB leva, mais uma vez, uma liderança promissora a buscar seu próprio sacrifício, e o tucanato dá mais um passo em sua trajetória descendente: de um partido de quadros a uma legenda dilacerada pelo caciquismo regionalista.


JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE, 67, é professor titular aposentado da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade). É autor, entre outras obras, de "O Legado de Franco Montoro".

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