São Paulo, quinta-feira, 02 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CARLOS HEITOR CONY

Santos e pecadores

RIO DE JANEIRO - Leitores de diversas origens pedem um comentário sobre aquilo que a imprensa está chamando de "crise na igreja".
Antes de mais nada, não vejo crise na igreja. Há, isso sim, uma crise moral, que afeta a humanidade como um todo e não exclui parte dela, que é o clero, católico ou não, constituído, como sabemos, por homens, e não por anjos.
E homens são homens -a frase é de Yago. O diferencial da Igreja Católica diante de outras é a sua permanência na história. E, de duas, uma: ou ela é divina, como querem os católicos, ou é simplesmente humana, como querem os adeptos de outras religiões e, obviamente, os ateus, que não aceitam a idéia de um Deus, seja ele qual for.
Se a igreja deve a sua fundação e a sua permanência a alguma divindade ou a um Deus único e verdadeiro, não há nenhuma vantagem nessa permanência ao longo de 20 séculos de história. E, tal como os judeus, que se consideram o povo eleito, mas sofreram o diabo, sentindo-se desamparados pelo próprio Deus, a igreja em muitas etapas de sua trajetória também parece abandonada por aquele que a fundou e garante sua permanência.
A alternativa é encarar a igreja como produção meramente humana, sendo espantosa, portanto, a sua sobrevivência em tantos e tão sofridos lances de sua biografia.
E, novamente, de duas, uma: ou o comportamento dos homens que a integram é uma provação divina para purificá-la, ou é mais um lance em que os homens, mesmo sendo homens, são capazes de criar um colosso que atravessa a história como a maior obra coletiva de um punhado de homens.
De maneira que a crise na igreja não existe. É uma crise de homens entre homens. Se existe Deus, e Deus está com eles, não haverá problema: a chamada Barca de Pedro continuará navegando ao longo da história. Se Deus não existe e, por isso, não está com eles, também não há problema: a igreja seria uma fraude, independentemente de seus santos e de seus pecadores.


Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Na mesma moeda
Próximo Texto: Otavio Frias Filho: Abril Despedaçado
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.