São Paulo, domingo, 02 de maio de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Horror, hipocrisia e silêncio

LONDRES - O presidente George Walker Bush se diz "enojado" com as cenas de torturas aplicadas por seus soldados a prisioneiros iraquianos. Seu sócio europeu, o primeiro-ministro Tony Blair, está "horrorizado" com idênticas práticas por soldados de Sua Majestade.
Podem até estar sendo sinceros, mas não dá para acreditar. As torturas no Iraque são filhas bastardas do tratamento que os EUA estão dando, há mais de dois anos, aos prisioneiros que fez no Afeganistão e recolheu à base de Guantánamo (Cuba).
Pois bem. O governo cubano pediu às Nações Unidas que condenassem os EUA pelos maus-tratos em Guantánamo. Hipocrisia de Fidel Castro, que não tem moral para falar em maus-tratos a quem quer que seja? Pode ser. Mas é também hipocrisia do governo dos EUA e de todos os que silenciaram os crimes praticados em Guantánamo. Ninguém apoiou a proposta cubana.
Só depois é que surgiram os vídeos sobre torturas. É praticamente inevitável: quando o comandante-em-chefe dá licença para violar regras elementares do Direito e do tratamento humano a prisioneiros, o guarda da esquina sente-se autorizado a tudo.
Ainda mais quando, segundo a mídia britânica, os soldados alegam estar agindo, ao menos em parte, por instrução de "interrogadores mercenários contratados pelo Pentágono". É o "outsourcing" da tortura.
"Outsourcing" parecido é o financiamento assumido dos EUA à oposição ao presidente Hugo Chávez.
Hugo Chávez é "do mal"? Não importa. Importa lembrar que os EUA financiaram a oposição ao presidente (constitucional) Salvador Allende, no Chile e deu em Pinochet, um genocida, conforme a acusação do juiz espanhol Baltasar Garzón.
Financiaram Osama bin Laden e seus talebãs contra a invasão russa do Afeganistão. Deu Al Qaeda.
O ovo da serpente não tem cor, credo ou raça. Pode não incubar, mas esperar em silêncio que não o faça é muito arriscado.


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