São Paulo, segunda-feira, 02 de setembro de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

Parando no "D"

RIO DE JANEIRO - Li não sei onde que um trio elétrico, a serviço da campanha eleitoral de um candidato a governador, havia colocado um letreiro luminoso na lateral do veículo com o nome não apenas do pretendente ao governo local, mas do candidato presidencial apoiado pelo próprio.
Digamos que o letreiro era "Por um Brasil melhor, votem em Fulano e no Ciro". Tudo bem. Acontece que na semana passada o candidato Ciro caiu nas pesquisas e o candidato Serra subiu alguns pontos.
Pronto. Estava armado um drama de consciência e de iluminação para o dono do trio elétrico. Ele deve ter lido Machado de Assis e, se não leu, adotou uma técnica que o nosso mestre colocou num de seus livros.
O personagem machadiano era dono de uma confeitaria, a Confeitaria Império, e nela mandou fazer umas reformas, pintando novamente o nome do estabelecimento. Dera ordens ao pintor para repetir o "Confeitaria do Império", mas aí veio o 15 de novembro de 1889 e, nas primeiras horas, não se sabia ao certo se prevaleceria o Império, a República ou um Governo Provisório qualquer.
O dono mandou um recado urgente ao pintor: "Pare no D". Esperaria baixar a poeira, ver no que iam dar as coisas para decidir qual o nome de sua confeitaria. Seria do Império, como era antes; da República; ou do Governo Provisório, fosse o que fosse. Viesse o que viesse, parando no "D" ele ficaria do lado certo, ou seja, do lado vencedor.
Não havia pesquisas naquele tempo. Hoje há. O dono do trio elétrico não precisa mandar parar no "D". A cada semana ele se atualiza, atualizando o seu letreiro iluminado.
São muitos os que, apesar de não serem donos de trios elétricos, estão parando no "D", à espera de uma definição, de um quadro mais nítido para ficarem donos da cocada preta desde criancinhas.


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