São Paulo, sábado, 02 de setembro de 2006

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LUIZ FERNANDO VIANNA

Chico e Aldir

RIO DE JANEIRO - Caetano Veloso já disse que o Brasil precisa merecer a bossa nova. Os outros homens que formam a trinca dos nossos maiores letristas vivos também mereciam um país à altura.
Chico Buarque estreou na quarta-feira um novo show. Ouvi-lo cantar em seqüência 28 letras suas é ter orgulho da língua que se fala e do tempo em que se vive. Gera até uma dúvida nacional-existencial: como seria viver sem contar com as canções de Chico Buarque?
Nos 42 anos em que Chico construiu sua obra, o Brasil atravessou uma ditadura militar, falsas alquimias econômicas, uma devassidão política que persiste e um modelo genocida de organização social. E, embora o travo dos versos denuncie uma carga de melancolia, Chico não parou de produzir tempos de delicadeza, como "pense como eu vim de leve/ Machuquei você de leve/ E me retirei com pés de lã".
Enquanto Chico, por mais assimetrias que venha experimentando, tem um pacto indissolúvel com a beleza, Aldir Blanc é um médico (mesmo) ultralírico que convive com um monstro raivoso. Vocifera contra os assassinos da arte, da inteligência, da honestidade, do Rio, do Brasil, mas não consegue matar a própria candura.
"As frases e as manhãs são espontâneas/ Levantam do escuro e ninguém pode evitar" é uma de suas criações que valem uma vida. Aldir, que completa 60 anos exatamente hoje, é um band-aid no calcanhar: alivia, mas incomoda.
Relançadas agora, suas crônicas clássicas conciliam beleza e escatologia, doce nostalgia de um país que quase aconteceu e ácido retrato de um país putrefato. É como ele diz em uma letra: "Mudou Vila Isabel ou mudei eu? Brasil!".
Parafraseando um texto de Caetano sobre Orlando Silva, um país que produziu Chico e Aldir tem obrigações superiores.


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