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LUIZ FERNANDO VIANNA
Chico e Aldir
RIO DE JANEIRO - Caetano Veloso já disse que o Brasil precisa
merecer a bossa nova. Os outros homens que formam a trinca dos nossos maiores letristas vivos também
mereciam um país à altura.
Chico Buarque estreou na quarta-feira um novo show. Ouvi-lo cantar em seqüência 28 letras suas é ter
orgulho da língua que se fala e do
tempo em que se vive. Gera até uma
dúvida nacional-existencial: como
seria viver sem contar com as canções de Chico Buarque?
Nos 42 anos em que Chico construiu sua obra, o Brasil atravessou
uma ditadura militar, falsas alquimias econômicas, uma devassidão
política que persiste e um modelo
genocida de organização social. E,
embora o travo dos versos denuncie
uma carga de melancolia, Chico não
parou de produzir tempos de delicadeza, como "pense como eu vim
de leve/ Machuquei você de leve/ E
me retirei com pés de lã".
Enquanto Chico, por mais assimetrias que venha experimentando, tem um pacto indissolúvel com
a beleza, Aldir Blanc é um médico
(mesmo) ultralírico que convive
com um monstro raivoso. Vocifera
contra os assassinos da arte, da inteligência, da honestidade, do Rio,
do Brasil, mas não consegue matar
a própria candura.
"As frases e as manhãs são espontâneas/ Levantam do escuro e ninguém pode evitar" é uma de suas
criações que valem uma vida. Aldir,
que completa 60 anos exatamente
hoje, é um band-aid no calcanhar:
alivia, mas incomoda.
Relançadas agora, suas crônicas
clássicas conciliam beleza e escatologia, doce nostalgia de um país que
quase aconteceu e ácido retrato de
um país putrefato. É como ele diz
em uma letra: "Mudou Vila Isabel
ou mudei eu? Brasil!".
Parafraseando um texto de Caetano sobre Orlando Silva, um país
que produziu Chico e Aldir tem
obrigações superiores.
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