São Paulo, quinta-feira, 02 de setembro de 2010

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CARLOS HEITOR CONY

As Guerras Púnicas

RIO DE JANEIRO - Há quem admire ou inveje os cronistas que dispõem de espaços na mídia, podendo escrever ou abordar assuntos fora da pauta dos editores e até mesmo das características essenciais do veículo, seja jornal, revista, rádio ou TV.
Ledo e ivo engano! Trabalho nesta praia há muitos anos e até hoje não consegui emplacar um assunto de minha preferência: as Guerras Púnicas.
Que tentei, tentei. Mas nenhum editor aceitou a ideia. Guerras Púnicas? Que negócio é esse? Os leitores exigem outros assuntos, a realidade pede informações e comentários sobre a violência urbana, o desmatamento da Amazônia, as pesquisas eleitorais, os mineiros soterrados no Chile.
Reconheço, são temas absorventes, mas fico frustrado, porque, até hoje, ao longo de mais de 60 anos de ofício, não consegui emplacar uma crônica sobre as Guerras Púnicas.
Não significa que tenha revelações ou comentários importantes a fazer sobre Aníbal e seus elefantes, que atravessaram os Alpes, ocuparam Cápua e sitiaram Roma no auge do prestígio imperial.
Reconheço também que os consumidores da mídia atual pouco ou nada estão ligando para o assunto. Preferem saber o que houve com a Receita Federal e a filha do Zé Serra. Gosto é gosto, e cada um deve ficar com o seu.
Ao longo de minha carreira, fui convidado a falar sobre a sucessão dos papas, os rumos da tropicália, os desafios do desenvolvimento nacional, o deficit primário, o diabo. Mesmo quando não há um assunto que mobilize as atenções do rei, do clero e do povo, nunca aceitaram minha sugestão de escrever sobre as Guerras Púnicas, a família Barca, as ruínas de Cartago. Essa decepção eu a levarei para o túmulo.
É evidente que ninguém perdeu nada com isso. Quem perdeu e quem está chorando sou eu.


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