|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
As Guerras Púnicas
RIO DE JANEIRO - Há quem admire
ou inveje os cronistas que dispõem
de espaços na mídia, podendo escrever ou abordar assuntos fora da
pauta dos editores e até mesmo das
características essenciais do veículo, seja jornal, revista, rádio ou TV.
Ledo e ivo engano! Trabalho nesta praia há muitos anos e até hoje
não consegui emplacar um assunto
de minha preferência: as Guerras
Púnicas.
Que tentei, tentei. Mas nenhum
editor aceitou a ideia. Guerras Púnicas? Que negócio é esse? Os leitores
exigem outros assuntos, a realidade pede informações e comentários
sobre a violência urbana, o desmatamento da Amazônia, as pesquisas eleitorais, os mineiros soterrados no Chile.
Reconheço, são temas absorventes, mas fico frustrado, porque,
até hoje, ao longo de mais de 60
anos de ofício, não consegui emplacar uma crônica sobre as Guerras
Púnicas.
Não significa que tenha revelações ou comentários importantes a
fazer sobre Aníbal e seus elefantes,
que atravessaram os Alpes, ocuparam Cápua e sitiaram Roma no auge do prestígio imperial.
Reconheço também que os consumidores da mídia atual pouco ou
nada estão ligando para o assunto.
Preferem saber o que houve com a
Receita Federal e a filha do Zé Serra.
Gosto é gosto, e cada um deve ficar
com o seu.
Ao longo de minha carreira, fui
convidado a falar sobre a sucessão
dos papas, os rumos da tropicália,
os desafios do desenvolvimento nacional, o deficit primário, o diabo.
Mesmo quando não há um assunto
que mobilize as atenções do rei, do
clero e do povo, nunca aceitaram
minha sugestão de escrever sobre
as Guerras Púnicas, a família Barca,
as ruínas de Cartago. Essa decepção eu a levarei para o túmulo.
É evidente que ninguém perdeu
nada com isso. Quem perdeu e
quem está chorando sou eu.
Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Salto de qualidade Próximo Texto: Kenneth Maxwell: Confessando
Índice
|