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OTAVIO FRIAS FILHO
Um papa e tanto
Na véspera de completar 25
anos, o pontificado de João Paulo
2º é o terceiro ou quarto mais longo da
história. Sua importância transcende,
porém, a mera extensão no tempo. Esse período coincidiu com mudanças
profundas na geopolítica mundial e
na mentalidade -na ideologia, para
usar termo em desuso- dominante.
Além disso, o atual papa não se limitou, como tantos de seus predecessores, a administrar o legado posto em
suas mãos, mantendo um curso tradicional. Ao contrário, o período em
que tem estado à frente da Igreja Católica traduz uma inflexão de rumo,
quase uma ruptura com a tônica que
prevalecia durante os dois pontificados anteriores.
O que mais saltou à vista foi a mudança de estilo. Nenhum papa jamais
realizou tantas viagens como o atual
nem utilizou como ele os recursos da
moderna comunicação de massa.
Certamente houve outros papas de
personalidade forte, mas poucos imprimiram cunho tão pessoal à política
da igreja, que João Paulo 2º reformou
a seu gosto.
Em 1978, a eleição de um cardeal da
Polônia, então sob tutela da União Soviética, sugeria que a crítica ao totalitarismo comunista ganharia novo relevo. De fato, atribui-se a João Paulo 2º
um papel importante na derrocada
das ditaduras do Leste Europeu, que
foram caindo uma após outra, até que
veio abaixo o regime na matriz.
Mas a nova orientação da igreja não
se restringiu à política externa. A principal mudança ocorreu internamente,
na meticulosa e bem-sucedida campanha que o papa empreendeu para liquidar a Teologia da Libertação e outras vertentes de esquerda. Ele deixa
uma igreja muito mais "centrista" e
outra vez ocupada com a sua função
estritamente religiosa.
Teria ele pressentido, com base em
sua experiência pessoal, que o socialismo era um castelo de cartas? Teria
compreendido -antes mesmo de
Thatcher, de Reagan e de Gorbatchov- que todo um sistema de idéias
estava prestes a entrar em colapso e
que era hora de a igreja se distanciar
do desastre? Deixemos aos biógrafos
responder a essas curiosidades.
Para seus apologistas, o papa salvou
a igreja de uma contaminação ideológica que, oriunda da sociologia de esquerda, ameaçava deturpar sua vocação espiritual e envolvê-la nas lutas
mundanas, ainda que, desta vez, do
outro lado do balcão. A facção derrotada lamenta, claro, esse segundo afastamento em relação à mensagem "social" do Evangelho.
A política deste papa conservador
foi estendida, com coerência sistemática, aos terrenos da moral e dos costumes. Nesse capítulo só faltou restaurar o uso do latim. Um dia a campanha contra os preservativos em meio a
uma epidemia sexual talvez venha a
ser acrescentada à lista dos crimes cometidos pelo Vaticano.
Ainda é cedo para saber se essa doutrina moral preserva a identidade histórica do catolicismo ou torna a igreja
ainda mais distante da vida real dos
fiéis. Por meio da Renovação Carismática e do Opus Dei -seus dois braços políticos-, o papa enfrentou as
religiões neoprotestantes e o hedonismo da classe média. Duas batalhas
que estão longe de ter sido ganhas.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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