São Paulo, quinta-feira, 03 de fevereiro de 2005

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SEM EUFEMISMO

A comunidade internacional tem em mãos um tenebroso documento de 244 páginas com o relato minucioso de 70 mil mortes, a expulsão de 1,8 milhão de pessoas de suas terras e o uso do estupro como arma de guerra. Esse impressionante conjunto de atrocidades ocorreu na região de Darfur, no Sudão, país africano cujo governo está empenhado desde o início de 2003 numa sórdida operação de limpeza étnica, que não tem alcançado a devida repercussão possivelmente pelo fato de o foco das atenções internacionais estar voltado para o Iraque, as relações entre Israel e palestinos e o terrorismo islâmico.
Apesar das abundantes evidências de crimes contra a humanidade, o relatório, realizado por cinco enviados das Nações Unidas e divulgado anteontem, não fala em genocídio. Já o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, afirmou que a caracterização do genocídio deveria ser feita por uma corte internacional.
Essa corte, como se sabe, já existe. É o Tribunal Penal Internacional, para o qual a França e o Reino Unido querem encaminhar para julgamento os membros do governo sudanês e suas milícias, opção objetada pelos Estados Unidos, que não reconhecem a legitimidade daquele foro.
A verdade precisa ser dita com todas as letras. Ocorreu e continua a ocorrer genocídio. É preciso que o Conselho de Segurança da ONU defina sanções contra o governo do Sudão para que sua política de extermínio deixe de ser uma ferramenta para determinar o direito à posse e ao cultivo de escassas terras aráveis.
O resto é eufemismo, é hipocrisia, é discussão acadêmica em torno do alcance da Convenção de Genocídio de 1948. É também o descarado oportunismo de Washington ao negar autoridade a um tribunal internacional simplesmente por temer que seus próprios militares possam nele um dia se tornar réus.


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