São Paulo, sábado, 03 de abril de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CARLOS HEITOR CONY

Nós, que éramos loucos

RIO DE JANEIRO - Almoço com Márcio Moreira Alves, fazendo o balanço da última eleição na Academia, mas logo derivando para o mais interessante, que foram os tempos de mocidade, quando trabalhávamos no mesmo jornal e mudamos nossas vidas para sempre.
- Como éramos loucos! - diz Márcio, que em 1964 e mais tarde, em 1968, teve a cabeça a prêmio, após o seu discurso na Câmara dos Deputados que provocaria o AI-5.
Tudo começou há 40 anos. Nosso editor-chefe era Edmundo Moniz, um dos cinco ou seis salvados do incêndio trotskista, que cabiam todos numa "Kombi" ideológica. O "Correio da Manhã" publicara dois editoriais truculentos contra o governo de João Goulart, que era acusado de comunista e peleguista. Pela sua formação revolucionária, Edmundo deveria defender aquele governo, mas o jornal todos os dias mandava brasa em cima de Jango.
Veio o golpe e passamos a condenar os militares vitoriosos, mesmo sem dar razão aos vencidos. Foi um início de ameaças físicas e prisões, Marcito era ainda um garotão, apesar de já ter ganhado um Prêmio Esso de Jornalismo, quando foi baleado na Assembléia Legislativa de Alagoas.
Eu era neófito no jornalismo político, nada entendia de nada, como até hoje não entendo. Mas, junto com Marcito, Carpeaux, Hermano Alves e o próprio Edmundo, depois o Callado, éramos violentos na hora de escrever na mesma medida em que éramos pacíficos na vida pessoal.
Em 65, dividimos a cela da PE, na rua Barão de Mesquita, ele foi eleito deputado federal, emprestei-lhe meu Simca Chambord para a campanha, depois fiquei sabendo que Marcito havia gastado duas vezes mais o valor do carro em oficinas e reparos.
Veio 68, na véspera do AI-5, em sua casa, no Parque Guinle, comemoramos a negativa da Câmara dos Deputados em atender ao governo que desejava processá-lo. No dia 13, nos separamos, ele no exílio, caçado ferozmente por um Exército vitorioso, eu na prisão. Sim, como éramos loucos.


Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: Por que uma CPI faz bem
Próximo Texto: Luciano Mendes de Almeida: Terra Indígena Raposa Serra do Sol
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.