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TENDÊNCIAS/DEBATES
NÃO
Sobre ética e fé pública
ROBERTO ROMANO
Os movimentos sociais possuem
histórias e formas diferentes. Eles
experimentam, em seu próprio interior,
disputas pela direção a ser tomada. Nenhum deles oferece ao governo garantias de que fala em nome de todos. As
sua tendências apresentam reivindicações que, no máximo, circunscrevem
consensos temporários, os quais podem
seguir num sentido ou noutro, de acordo com as batalhas encetadas em suas
assembléias. Sem hegemonia interna,
falham as unidades programáticas,
doutrinas ou alvos. São instáveis as pontes entre os que defendem as mulheres,
os negros, os homossexuais, os sem-teto, os sem-terra e outros "negativamente privilegiados" (Max Weber).
Nos tratos com o governo, cada movimento segue uma cronologia própria e
técnicas definidas de organização.
Quando se reúnem, exibem discursos
cuja semântica varia muito. Qualquer
administração pública enfrenta a pergunta prévia: qual movimento escolher
para cooperar, antes dos demais?. A resposta define a estratégia do governo. Se
ele seguir a resposta errada, o trato com
os movimentos sociais se compromete.
Restam táticas oportunistas ou patéticas para captar o apoio dos líderes e militantes.
Os movimento buscam a própria sobrevivência. Se for necessário salvar alguém, nas situações críticas, eles escolhem a si mesmos. Nenhum governante
que possua conhecimentos sociológicos
e domine a psicologia das massas deixa-se embair pelos "apoios irrestritos" dos
movimentos sociais, políticos, ideológicos, religiosos. O MST sabe que a sua
âncora não está no governo. O apoio
desse último é uma cilada. Deter a sua
atividade para dar fôlego aos ministros,
sobretudo quantos eles enfrentam uma
crise política, é desastroso para os militantes. Em sua estratégia, tais ocasiões
potenciam suas reivindicações.
Para que o MST coopere com o governo, apenas duas hipóteses devem ser
vistas. Na primeira, o monopólio da força física é empregado contra as tomadas
de fazendas, invasões de edifícios públicos etc. O governo deve contar com um
leque amplo de apoio nos setores inimigos ou concorrentes do MST. Sem isso,
será mais do que um erro ordenar o uso
das armas contra os militantes. Eldorado de Carajás alerta contra essa "solução". Na segunda hipótese, o governo
aplica uma política competente de assentamentos e ganha, pela sua eficácia,
autoridade para definir rumos certos no
campo e na cidade. Um Incra que exponha resultados palpáveis, e não slogans,
atenua, embora não detenha, os atos do
MST. Essencial, nesse rumo, é a fé pública. A palavra dos administradores precisa valer para todos os envolvidos na
questão agrária: os militantes, as autoridades judiciais, a imprensa, a cidadania.
Mas sobra incompetência e arrogância stalinista no governo. A sua técnica
usual encontra-se no verticalismo autoritário e o seu recurso é a propaganda
enganosa, como demonstrou esta Folha. A fé pública não pode ser garantida
por Duda Mendonça. Na questão agrária e nas eleições, o tempo difere. As segundas podem ser ganhas com fantasias. No campo, ou a política econômica
mostra viabilidade, ou recomeçam as
invasões etc. O eleitor ludibriado por
um partido rompe com ele só nas próximas eleições. O candidato à terra não
tem o mesmo tempo. A reação à propaganda enganosa surge em poucos dias.
Sem fé pública, incompetente para
administrar as políticas sociais -todas
à mingua de recursos devido ao superávit fiscal-, o governo oscila entre autismo e promessas, ou propaganda. A perdurar esse "modus operandi", logo a
"solução" empregada pelos dirigentes
será o uso das armas para reprimir o
MST. Este último tem plena consciência
disso. E usa o seu tempo para garantir o
que já conquistou.
O caso do MST é o mais grave, mas
não é o único. Algo similar ocorre nos
direitos humanos, na segurança, nos setores que lutam contra o racismo etc. Se
os ministros (sobretudo o da Justiça)
cuidassem mais de resolver os problemas do campo, deixariam de avançar
slogans incendiários para encobrir sua
própria indigência na arte de governar.
Eles falariam menos de "conspiração",
exigiriam mais recursos para suas pastas, gastariam verbas com eficácia e
ciência.
Os culpados por uma previsível tragédia no campo, desta vez, serão os eleitos
pelo PT. Eles fazem tudo, da troca fisiológica às ameaças, para garantir a "governabilidade". Mas esta última, sem
ética e fé pública, só pode ser garantida
na ponta das baionetas. Tal "solução" é
a única que sobrará, em pouco tempo,
aos soberanos do PT.
Roberto Romano, 57, é professor titular de ética e filosofia política na Unicamp e autor de, entre outras obras, "Moral e Ciência - a Monstruosidade no Século XVIII" (ed. Senac/São Paulo).
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