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CLÓVIS ROSSI
Jenin é aqui
SÃO PAULO - Deve sair hoje o Mapa da Violência no Brasil, preparado em
conjunto com a Unesco, a agência
das Nações Unidas que cuida de educação e cultura.
Espero que os brasileiros que ficaram comovidos (justamente, aliás)
com o que viram pela TV a respeito
do campo de refugiados palestinos de
Jenin se comovam agora -e muito
mais- com o retrato de uma violência insuportável que aparecerá nos
números do mapa.
Suspeito, no entanto, que não vá
haver tamanha comoção. Parece que
o gotejar diário de notícias sobre
mortes violentas, sequestros, balas
perdidas, chacinas -enfim, o escandaloso cotidiano das grandes e médias cidades brasileiras- acabou
por anestesiar a sociedade.
Prova-o a reação de Rodrigo Salinas, cujo pai, o professor de física geral da USP Sílvio Salinas, foi baleado
na terça-feira por três assaltantes e
perdeu a visão do olho direito.
Ouvido pela TV, Rodrigo disse que,
nas circunstâncias, conseguia até enxergar um lado positivo: o pai perdera um olho, mas não a vida, mesmo
depois de um disparo à queima-roupa em pleno rosto.
Suspeito que eu também reagiria
como Rodrigo em circunstâncias
iguais ou parecidas. Mas é uma rendição incondicional à criminalidade,
é abandonar pelo menos um pedaço
da cidadania.
Antes, dava-se graças a Deus quando um caso do gênero produzia apenas perdas materiais. Depois, passou-se a dar graças a Deus quando os danos físicos e mentais eram leves. Agora, chegamos ao extremo de dar graças a Deus se a perda é de um olho,
mas não da vida.
Logo mais, nós nos daremos por felizes se for morto apenas um dos
membros da família, mas os outros
escaparem. Detalhe macabro: em
partes da periferia, já é assim ou pior.
Em Jenin, pelo menos, morre-se por
uma causa. É menos estúpido.
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