São Paulo, sexta-feira, 03 de maio de 2002

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CLÓVIS ROSSI

Jenin é aqui

SÃO PAULO - Deve sair hoje o Mapa da Violência no Brasil, preparado em conjunto com a Unesco, a agência das Nações Unidas que cuida de educação e cultura.
Espero que os brasileiros que ficaram comovidos (justamente, aliás) com o que viram pela TV a respeito do campo de refugiados palestinos de Jenin se comovam agora -e muito mais- com o retrato de uma violência insuportável que aparecerá nos números do mapa.
Suspeito, no entanto, que não vá haver tamanha comoção. Parece que o gotejar diário de notícias sobre mortes violentas, sequestros, balas perdidas, chacinas -enfim, o escandaloso cotidiano das grandes e médias cidades brasileiras- acabou por anestesiar a sociedade.
Prova-o a reação de Rodrigo Salinas, cujo pai, o professor de física geral da USP Sílvio Salinas, foi baleado na terça-feira por três assaltantes e perdeu a visão do olho direito.
Ouvido pela TV, Rodrigo disse que, nas circunstâncias, conseguia até enxergar um lado positivo: o pai perdera um olho, mas não a vida, mesmo depois de um disparo à queima-roupa em pleno rosto.
Suspeito que eu também reagiria como Rodrigo em circunstâncias iguais ou parecidas. Mas é uma rendição incondicional à criminalidade, é abandonar pelo menos um pedaço da cidadania.
Antes, dava-se graças a Deus quando um caso do gênero produzia apenas perdas materiais. Depois, passou-se a dar graças a Deus quando os danos físicos e mentais eram leves. Agora, chegamos ao extremo de dar graças a Deus se a perda é de um olho, mas não da vida.
Logo mais, nós nos daremos por felizes se for morto apenas um dos membros da família, mas os outros escaparem. Detalhe macabro: em partes da periferia, já é assim ou pior.
Em Jenin, pelo menos, morre-se por uma causa. É menos estúpido.


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