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MARTA SALOMON
Números sob tortura
BRASÍLIA - Já disseram que, sob tortura, os números são capazes de dizer
qualquer coisa. O "Diário Oficial" da
União pagou para ver. É uma sessão
de tortura o que promove a portaria
publicada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário em suas páginas
no final de abril.
Entre tapas, os números oficiais poderão dizer até que terrenos baldios
são considerados assentamentos. Serão testemunhas de que a reforma
agrária é um sucesso.
Não é o que diz estudo entregue ao
ex-ministro Raul Jungmann pouco
tempo antes de deixar o posto. Jungmann, aliás, tentou manter em segredo as conclusões do levantamento sobre os impactos da reforma agrária
em algumas regiões de maior concentração de assentamentos do país.
O trabalho foi feito por pesquisadores de duas universidades federais do
Rio de Janeiro, a UFRJ e a Rural, e tacha de insuficiente a intervenção do
Estado nos projetos.
O dinheiro para instalação dos assentados demora entre 9 e 28 meses,
em média, para ser liberado. É clara
a falta de financiamento para a compra de máquinas e equipamentos, o
que complica a produção nos assentamentos. Ainda assim, a pesquisa
revela que 42% dos assentamentos
têm produtividade melhor do que a
média da região. Em outros 11% dos
casos, a produtividade empatou.
Quase metade dos lotes tem problemas de abastecimento de água. Menos de um terço dispõe de serviços de
energia elétrica. Muitos ficam inacessíveis em época de chuva. A maioria
dos assentamentos tem escolas, mas
raras vão além da alfabetização.
A análise dos assentamentos instalados até 97, portanto com tempo para amadurecer, mostra que a reforma agrária brasileira não mudou
substancialmente a concentração de
terras no país e é produto direto dos
conflitos de terra: 96% dos casos estudados na amostra de 181 projetos resultam de disputa pela propriedade e
da iniciativa dos trabalhadores.
Sob tortura, os números podem até
dizer qualquer coisa. Mas alguns gemem.
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