São Paulo, sexta-feira, 03 de maio de 2002

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MARTA SALOMON

Números sob tortura

BRASÍLIA - Já disseram que, sob tortura, os números são capazes de dizer qualquer coisa. O "Diário Oficial" da União pagou para ver. É uma sessão de tortura o que promove a portaria publicada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário em suas páginas no final de abril.
Entre tapas, os números oficiais poderão dizer até que terrenos baldios são considerados assentamentos. Serão testemunhas de que a reforma agrária é um sucesso.
Não é o que diz estudo entregue ao ex-ministro Raul Jungmann pouco tempo antes de deixar o posto. Jungmann, aliás, tentou manter em segredo as conclusões do levantamento sobre os impactos da reforma agrária em algumas regiões de maior concentração de assentamentos do país.
O trabalho foi feito por pesquisadores de duas universidades federais do Rio de Janeiro, a UFRJ e a Rural, e tacha de insuficiente a intervenção do Estado nos projetos.
O dinheiro para instalação dos assentados demora entre 9 e 28 meses, em média, para ser liberado. É clara a falta de financiamento para a compra de máquinas e equipamentos, o que complica a produção nos assentamentos. Ainda assim, a pesquisa revela que 42% dos assentamentos têm produtividade melhor do que a média da região. Em outros 11% dos casos, a produtividade empatou.
Quase metade dos lotes tem problemas de abastecimento de água. Menos de um terço dispõe de serviços de energia elétrica. Muitos ficam inacessíveis em época de chuva. A maioria dos assentamentos tem escolas, mas raras vão além da alfabetização.
A análise dos assentamentos instalados até 97, portanto com tempo para amadurecer, mostra que a reforma agrária brasileira não mudou substancialmente a concentração de terras no país e é produto direto dos conflitos de terra: 96% dos casos estudados na amostra de 181 projetos resultam de disputa pela propriedade e da iniciativa dos trabalhadores.
Sob tortura, os números podem até dizer qualquer coisa. Mas alguns gemem.



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