São Paulo, sexta-feira, 03 de maio de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O PT e a síndrome de Sassá Mutema

RICARDO MONTORO

Um espectro ronda as eleições de 2002, o espectro do salvacionismo.
O recente artigo publicado neste espaço, assinado pelo competente professor Fernando Haddad ("PSDB e PFL", pág. A3, 25/4), não deixa dúvidas: o PT entrou para a fileira de partidos cuja missão consiste em atacar a tudo e a todos no afã de se elevar ao Olimpo, como divindades tupiniquins. Dessa forma, o PT iguala-se ao rechonchudo populismo fervoroso e ao voluntarismo malcriado e rude cuja cabeça pensa com sotaque.
Todavia a vida pública não é feita nas montanhas da Tessália, mas nas ações cotidianas, com avanços e retrocessos, agarrando as possibilidades que estão colocadas à frente.
O professor Fernando Haddad acusa os tucanos de terem fornecido a moldura teórica adequada para sustentar as práticas pefelistas, cuja orientação estaria baseada no contraditório conceito de "patrimonialismo moderno" (sic). Ora, se existe algo inquestionável nos governos do PSDB é o fato de que estes produziram condições permanentes para o declínio do poder das velhas oligarquias regionais, que desde sempre se locupletaram da coisa pública.
Essa opinião é partilhada inclusive por vários colegas do professor Fernando Haddad, cientistas políticos que vêem na reforma do Estado -com as privatizações que eliminaram do mapa da fisiologia mais de cem estatais, nas conquistas sociais; com a melhoria dos índices educacionais e de saúde, na modernização da economia e na progressiva democratização do acesso à informação; com a eliminação dos critérios políticos para a concessão de rádios e TVs- os motivos fundamentais para a evidente perda do charme e do prestígio dos caciques regionais.
Os episódios recentes que abalaram a Bahia, o Pará e o Maranhão não nos deixam mentir. Como também parece factível imaginar que não foi exatamente o PFL o grande beneficiado com essa mudança... Muito pelo contrário.
O Brasil avançou muito nos últimos oito anos. A estabilidade econômica, conquista que já parecia desbotada, recupera seu valor quando observados nossos vizinhos sul-americanos. Mas o Brasil conseguiu ir além. Arranhamos a perversa estrutura secular da desigualdade e estamos prontos para crescer. O contingente de pobres foi fortemente reduzido; o acesso ao ensino fundamental foi universalizado, com a perspectiva da erradicação do analfabetismo nos próximos cinco anos; a mortalidade infantil diminuiu e a expectativa de vida aumentou.


Alguém já disse que querer salvar um país é sublime, julgar ser o próprio salvador é grotesco


Só não avançamos mais porque alguns, que agora estão se portando como salvadores da pátria, atuaram contra nessa dura caminhada. Mas estamos prontos para crescer e nos firmarmos, neste século, como um país mais justo e próspero.
E o PT, o que faz? Além de ter buscado todas as chances para sabotar os avanços, colocando-se sempre na situação de oposição intransigente, tem demonstrado extrema inépcia onde é governo.
O professor Fernando Haddad divagou sobre a teoria e a prática. Entretanto, como observador privilegiado da alcaidina paulistana, deveria ter notado que a grande incoerência entre teoria e prática está na experiência do PT na cidade de São Paulo. A não ser que esteja escrito no epítome petista o loteamento de cargos e a redução das verbas da educação, o PT pratica em São Paulo exatamente o contrário do que prega.
Foi assim no aumento do preço das passagens de ônibus, afetando diretamente o bolso do trabalhador. Foi assim no loteamento das regionais, prática malufista perpetuada pela atual gestão. O PT também herdou do malufismo a intolerância e o autoritarismo, pois persegue um de seus parlamentares por defender, com coerência e ética, os recursos da educação. Infelizmente a cidade assiste à formação de uma aliança macabra entre o PT e as práticas malufistas, que tanto penalizaram São Paulo.
É inegável que o Brasil precisa avançar mais. Ainda pesa sobre nós um duro legado de desigualdade e de desapego à coisa pública, problemas que serão agravados com a conduta messiânica que se tenta impor.
Alguém já disse que querer salvar um país é sublime, julgar ser o próprio salvador é grotesco. O PT vive a síndrome de Sassá Mutema.


Ricardo Montoro, 52, economista, vereador, é líder do PSDB na Câmara Municipal de São Paulo.



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