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TENDÊNCIAS/DEBATES
Neo-inquisidores e neopetistas
JOÃO FONTES
Tenho sido vítima, junto com outros companheiros de partido, de
um patrulhamento digno do stalinismo
mais feroz. Vítima de perseguição, por
querer o debate e por defender pontos
que estão no programa do PT. Sinto que
estamos diante de uma nova inquisição.
Sinto que companheiros que sofreram
nos porões da ditadura, que resistiram à
mais feroz perseguição política, transformaram-se em "Torquemadas" impiedosos que nos enviam à fogueira.
Entreguei à Folha uma fita com um
discurso que o presidente Lula fez, em
1987, em Aracaju. No meu Estado, essa
fita não é novidade. Consta do livro "PT
Saudações", publicado pelo ex-deputado estadual petista Marcelo Ribeiro.
Ao entregar a fita, tive o intuito de defender companheiros que estão sendo
perseguidos pela nova inquisição, já que
não podia, tal qual Pilatos, lavar as
mãos. Por exemplo: condenam a brava
senadora Heloísa Helena por não ter
votado em José Sarney para presidente
do Senado. Ora, quem mudou não foi a
senadora. A opinião que o PT tem de
Sarney é aquela expressa por Lula na fita. Não sobre o Sarney pessoa, mas sobre o que representa politicamente: o
atraso, o coronelismo, o reacionarismo
e a sua parcela de responsabilidade pela
perpetuação do subdesenvolvimento
maranhense. Idéia bem coerente com as
críticas às elites nordestinas feitas por
Lula em recente discurso num encontro
de prefeitos, em Aracaju.
Por causa da fita, estou sendo acusado
de ter agredido o presidente Lula. Não o
fiz. Não trouxe a público mentiras, calúnias ou difamações. Nada inventei. As
palavras que constam na fita em questão foram de Lula, externando o ponto
de vista dos que faziam e fazem o PT.
Ser acusado de agressão ao presidente
por divulgar suas palavras, mesmo que
proferidas em outra época, é surrealismo. Sobre isso, o lúcido Elio Gaspari, na
sua coluna na Folha, disse bem: "Só
ocorre num país de loucos".
Em verdade, o caso da fita é mero pretexto para as punições. Antes mesmo do
episódio, a direção do partido já havia
decidido pelo meu afastamento da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Já havia decidido punir a deputada Luciana Genro -que, diga-se de
passagem, não teve a menor participação na divulgação da fita e, agora, é acusada de não tentar impedir minha ação,
o que mais uma vez demonstra o surrealismo do episódio.
Para nos queimar na fogueira da neo-inquisição, a direção do PT não se furta
a ferir a Constituição, que dá prerrogativa aos deputados de atuar nas comissões. E a agredir o Regimento Interno
da Câmara, que, no art. 26, par. 3º, assegura a cada deputado o direito de integrar, como titular, pelo menos uma comissão permanente. Ao me suspender
da bancada e me afastar da Comissão de
Constituição e Justiça, o PT cassou o
meu direito de exercer o mandato. Cassou os votos que me foram dados pelos
sergipanos. Tal arbitrariedade parte da
injusta inquisição, oriunda de uma força que tenta enquadrar não só toda a
bancada petista, mas o próprio Congresso Nacional. Uma força que tenta
calar todas as vozes discordantes, num
perigo à democracia por que tanto lutamos e pela qual figuras como o próprio
presidente do partido, José Genoino,
hoje inquisidor-mor, sacrificaram os
seus anos de juventude.
Para nos queimar na fogueira da neo-inquisição, a direção do PT não se furta a ferir a Constituição
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Toda a ira dos dirigentes do partido
cai sobre nós porque estamos contra
pontos da reforma da Previdência, como a inconstitucional cobrança de contribuição dos inativos. Se há pontos inconstitucionais na reforma -e grandes
juristas acham que sim-, somente
uma violação ao nosso ordenamento
jurídico permitiria a sua implementação, o que eu, como advogado e como
cidadão, não posso aceitar.
O prefeito de Aracaju, Marcelo Déda,
bem próximo ao presidente Lula, quando deputado votou contra a reforma da
Previdência. Em janeiro de 1996, encaminhou o voto da bancada contrário à
reforma, dizendo: "O Partido dos Trabalhadores encaminha o seu voto fazendo um apelo aos srs. deputados. O painel irá revelar quem votou a favor ou
contra os aposentados e a Justiça".
Em 1999, o PT reitera seu voto contrário à taxação dos inativos, por meio de
sete deputados, entre os quais o hoje
ministro José Dirceu e o próprio Marcelo Déda. Por que então querem nos punir? Por seguir a linha do partido?
Reitero: estou sendo vítima de uma
inquisição odienta, pois nada inventei,
nem mesmo disse aleivosias contra o
presidente. Só divulguei uma fita, já pública em meu Estado, que explicitava,
nas palavras de Lula, as suas posições de
então. Não estou contra a tradição petista nem contra o programa do partido.
Se alguém mudou, foi a sua alta direção
-que até tem o direito de o fazer, mas,
para isso, deveria ter promovido uma
ampla discussão que envolvesse todas
as instâncias partidárias.
Estranhamente, eu e companheiros
valorosos do PT estamos sendo levados
à fogueira da nova inquisição, enquanto
cristãos-novos, neopetistas de ocasião,
que nem chegaram a abjurar seus passados conservadores e fisiológicos, tais
como José Sarney, Roberto Jéferson
etc., encontram-se nos braços do novo
credo. Mas, para minha consternação,
quem mudou não foram eles, foram os
inquisidores de agora.
João Fontes de Faria Fernandes, 45, advogado, é deputado federal pelo PT-SE.
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