UOL




São Paulo, terça-feira, 03 de junho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Neo-inquisidores e neopetistas

JOÃO FONTES

Tenho sido vítima, junto com outros companheiros de partido, de um patrulhamento digno do stalinismo mais feroz. Vítima de perseguição, por querer o debate e por defender pontos que estão no programa do PT. Sinto que estamos diante de uma nova inquisição. Sinto que companheiros que sofreram nos porões da ditadura, que resistiram à mais feroz perseguição política, transformaram-se em "Torquemadas" impiedosos que nos enviam à fogueira.
Entreguei à Folha uma fita com um discurso que o presidente Lula fez, em 1987, em Aracaju. No meu Estado, essa fita não é novidade. Consta do livro "PT Saudações", publicado pelo ex-deputado estadual petista Marcelo Ribeiro.
Ao entregar a fita, tive o intuito de defender companheiros que estão sendo perseguidos pela nova inquisição, já que não podia, tal qual Pilatos, lavar as mãos. Por exemplo: condenam a brava senadora Heloísa Helena por não ter votado em José Sarney para presidente do Senado. Ora, quem mudou não foi a senadora. A opinião que o PT tem de Sarney é aquela expressa por Lula na fita. Não sobre o Sarney pessoa, mas sobre o que representa politicamente: o atraso, o coronelismo, o reacionarismo e a sua parcela de responsabilidade pela perpetuação do subdesenvolvimento maranhense. Idéia bem coerente com as críticas às elites nordestinas feitas por Lula em recente discurso num encontro de prefeitos, em Aracaju.
Por causa da fita, estou sendo acusado de ter agredido o presidente Lula. Não o fiz. Não trouxe a público mentiras, calúnias ou difamações. Nada inventei. As palavras que constam na fita em questão foram de Lula, externando o ponto de vista dos que faziam e fazem o PT. Ser acusado de agressão ao presidente por divulgar suas palavras, mesmo que proferidas em outra época, é surrealismo. Sobre isso, o lúcido Elio Gaspari, na sua coluna na Folha, disse bem: "Só ocorre num país de loucos".
Em verdade, o caso da fita é mero pretexto para as punições. Antes mesmo do episódio, a direção do partido já havia decidido pelo meu afastamento da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Já havia decidido punir a deputada Luciana Genro -que, diga-se de passagem, não teve a menor participação na divulgação da fita e, agora, é acusada de não tentar impedir minha ação, o que mais uma vez demonstra o surrealismo do episódio.
Para nos queimar na fogueira da neo-inquisição, a direção do PT não se furta a ferir a Constituição, que dá prerrogativa aos deputados de atuar nas comissões. E a agredir o Regimento Interno da Câmara, que, no art. 26, par. 3º, assegura a cada deputado o direito de integrar, como titular, pelo menos uma comissão permanente. Ao me suspender da bancada e me afastar da Comissão de Constituição e Justiça, o PT cassou o meu direito de exercer o mandato. Cassou os votos que me foram dados pelos sergipanos. Tal arbitrariedade parte da injusta inquisição, oriunda de uma força que tenta enquadrar não só toda a bancada petista, mas o próprio Congresso Nacional. Uma força que tenta calar todas as vozes discordantes, num perigo à democracia por que tanto lutamos e pela qual figuras como o próprio presidente do partido, José Genoino, hoje inquisidor-mor, sacrificaram os seus anos de juventude.


Para nos queimar na fogueira da neo-inquisição, a direção do PT não se furta a ferir a Constituição


Toda a ira dos dirigentes do partido cai sobre nós porque estamos contra pontos da reforma da Previdência, como a inconstitucional cobrança de contribuição dos inativos. Se há pontos inconstitucionais na reforma -e grandes juristas acham que sim-, somente uma violação ao nosso ordenamento jurídico permitiria a sua implementação, o que eu, como advogado e como cidadão, não posso aceitar.
O prefeito de Aracaju, Marcelo Déda, bem próximo ao presidente Lula, quando deputado votou contra a reforma da Previdência. Em janeiro de 1996, encaminhou o voto da bancada contrário à reforma, dizendo: "O Partido dos Trabalhadores encaminha o seu voto fazendo um apelo aos srs. deputados. O painel irá revelar quem votou a favor ou contra os aposentados e a Justiça".
Em 1999, o PT reitera seu voto contrário à taxação dos inativos, por meio de sete deputados, entre os quais o hoje ministro José Dirceu e o próprio Marcelo Déda. Por que então querem nos punir? Por seguir a linha do partido?
Reitero: estou sendo vítima de uma inquisição odienta, pois nada inventei, nem mesmo disse aleivosias contra o presidente. Só divulguei uma fita, já pública em meu Estado, que explicitava, nas palavras de Lula, as suas posições de então. Não estou contra a tradição petista nem contra o programa do partido. Se alguém mudou, foi a sua alta direção -que até tem o direito de o fazer, mas, para isso, deveria ter promovido uma ampla discussão que envolvesse todas as instâncias partidárias.
Estranhamente, eu e companheiros valorosos do PT estamos sendo levados à fogueira da nova inquisição, enquanto cristãos-novos, neopetistas de ocasião, que nem chegaram a abjurar seus passados conservadores e fisiológicos, tais como José Sarney, Roberto Jéferson etc., encontram-se nos braços do novo credo. Mas, para minha consternação, quem mudou não foram eles, foram os inquisidores de agora.

João Fontes de Faria Fernandes, 45, advogado, é deputado federal pelo PT-SE.


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Carlos Eduardo Mena: O governo e os partidos de governo

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.