São Paulo, sábado, 03 de junho de 2006

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CLÓVIS ROSSI

Luxo

SÃO PAULO - Na campanha de 1994, o antropólogo Darcy Ribeiro, um dos melhores agitadores culturais que o Brasil já teve, dizia que era "um luxo" o país ter como candidatos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Tinha razão. FHC, embora já fosse político havia alguns anos, representava o "luxo" de ter pensado intensamente o país como sociólogo -e de uma maneira que me parecia basicamente correta, até por ser contraponto ao pensamento convencional da época. Lula representava o "luxo" de ter mobilizado os assalariados e ajudado a dar-lhes participação política mais intensa. Depois de doze anos consecutivos de FHC/Lula, não creio que Darcy Ribeiro, se vivo fosse, diria que o "luxo" teórico se materializou. Progressos houve, é óbvio. Quase sempre há. Mas tão microscópios ou tão convencionais que não dá para chamá-los de "luxo". Inflação, por exemplo. Foi domada e mantida sob controle nesses 12 anos. Mas o mundo inteiro fez a mesma coisa, na mesma época, como gosta de lembrar o economista Luiz Gonzaga Belluzzo. Até o argentino Carlos Menem controlou-a. E Menem seria talvez o último governante a que alguém sério chamaria de um "luxo". Corrupção, outro exemplo. O sociólogo Francisco de Oliveira, então petista, disse-me uma vez que considerava a maior qualidade do então nascente PSDB a de ser "republicano". O PT também era ou parecia ser. Mas é ao fim de 12 anos de gestão de partidos supostamente republicanos que se criou o clima mais intenso de descrédito em relação à coisa pública. No conjunto da obra, nem o mais delirante ufanista diria que 12 anos da dupla transformaram o Brasil em um país de "luxo". Talvez fosse irrealista esperar por isso, mas o diabo é que um país assim nem está no horizonte.

@ - crossi@uol.com.br


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