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OTAVIO FRIAS FILHO
Presidente deslumbrado
Quando o general João Baptista
Figueiredo foi indicado para a sucessão do general Geisel na Presidência da República, deflagrou-se uma intensa campanha de propaganda destinada a tornar o "candidato" conhecido e popular. A eleição era indireta,
mas o clima de abertura política recomendava o esforço para seduzir uma
opinião pública cada vez mais indócil.
Ora, o general Figueiredo era pessoa
pouco indicada para exercer a função.
Somente o desejo de Geisel e de Golbery de tutelar o sucessor explica que a
escolha tenha recaído sobre ele, que
passou longos anos no Planalto sem
aprender (nem esquecer...) quase nada. Figueiredo era inepto, inábil,
bronco e boçal. Essas qualidades, na
alquimia publicitária, foram convertidas em "franqueza" e "simplicidade".
Infelizmente, a conduta pessoal do
presidente Lula traz ecos daquele seu
antecessor. Na hipnose coletiva que se
seguiu à eleição e que tolheu todo espírito de crítica, Lula foi apresentado
como autêntico líder popular, como
figura histórica que, respaldada num
partido de massas organizado, romperia o círculo de ferro das "elites", como dizia Collor, em torno do poder.
Tudo isso é verdade, mas nem toda a
verdade. O fato de Lula ser um caso raríssimo de político de extração popular que se manteve fiel à origem e a um
partido programático não o torna
imune à crítica. Sobretudo por parte
da imprensa, cuja função de utilidade
pública é problematizar, interpelar,
incomodar os governantes, em especial enquanto são populares.
Lula foi, sem dúvida, vítima de preconceito. A noção de que alguém sem
diploma universitário não poderia
ocupar a Presidência revela uma percepção estreita, beletrista e obsoleta
sobre o exercício do poder. Demorou
para que a maioria do eleitorado se
convencesse disso. E, quando essa
mudança ocorreu, demos mais um
passo para ampliar a democracia.
Então o preconceito passou a operar
com sinal invertido. Diante da iminência de sua vitória, Lula encarnou o
malandro da literatura popular, mais
esperto que os espertos, capaz de dar
um nó nos figurões da alta roda. O
mesmo sentimento que o repudiava
por ser "povo" passou a enaltecê-lo
por ser vitorioso, numa versão sutil,
inconsciente, da "lei de Gérson".
A lacuna escolar é uma adversidade
que Lula venceu por seus méritos, que
são muitos. Mas é evidente que não
pode ser convertida em virtude, sob
pena de dizermos às crianças: estudar
é ruim, conhecer é um defeito, saber
mais nos torna impuros ou corrompidos. Lula poderia ter se preparado nos
últimos 20 anos, quando teve tempo e
condições para tanto, mas não o fez.
Do primeiro líder popular a atingir o
Planalto, esperava-se que reconhecesse tais limitações, não que as transformasse em apanágio. Esperava-se também que não se deixasse deslumbrar
por jóias ou manicures, e que o êxito
-fugaz como todo sucesso- não lhe
subisse à cabeça. Algum outro poderia
ser uma espécie de Figueiredo, mas
que Lula esteja a caminho disso é mais
uma ironia e mais uma decepção.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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