UOL




São Paulo, quinta-feira, 03 de julho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

O boné da insensatez

JORGE BORNHAUSEN

Antes que se completassem 24 horas, o mesmo boné que aparecia na cabeça de um homem preso na zona da mata de Pernambuco por saquear um caminhão de cargas apareceu na cabeça do presidente da República.
Se essa coincidência não representar identidade entre os que usam o mesmo boné, a lógica dos símbolos, que tanto facilita a compreensão do mundo, precisa ser imediatamente revista.
Mas, se valem as fotos nas primeiras páginas dos jornais de ontem e anteontem, o presidente da República e o MST assumem a causa comum, ou seja, estão embarcados na mesma nau insensata que inquieta a nação. O presidente da República, no mínimo, contemporizou com os saques e desordens assumidamente realizados pelo MST, por pessoas usando o boné comum. Ou há outra forma de interpretar a foto do presidente Lula com o boné do MST?
De todas as temeridades -e bote temeridade nisso- que o presidente Lula está cometendo, dia após dia, com seus discursos estapafúrdios, que já ultrapassaram o anedotário, nenhuma pode ser considerada mais grave que essa foto com o boné do MST.
Principalmente quando é público que o presidente foi forçado a antecipar em cinco dias a audiência, já agendada e anunciada para 7 de julho, devido à explosão de invasões, saques e desordens que o MST fazia pipocar no país inteiro. Ou seja, submetendo-se à chantagem da ameaça representada pela escalada de ações do MST, o presidente alterou sua agenda e recebeu apressadamente os dirigentes da organização, submetendo-se à cena de confraternização. Ou, em vez de confraternização, foi uma cena de constrangimento, típica da síndrome de Estocolmo, o fenômeno psicológico de dependência eufórica que submete os reféns aos seus sequestradores?
Ora, todo mundo está cansado de saber que o MST não tem nada a ver com os sem-terra e a reforma agrária.
Todos sabemos que o MST é um movimento político revolucionário que apenas usa a grave questão campesina para efeito de propaganda e, principalmente, de financiamento, pois recolhe uma porcentagem considerável de todo o dinheiro que o governo repassa aos assentados; que o MST tornou-se até massa de manobra de aluguel, usada por grupos que precisam de equipes táticas treinadas em sabotagens, como se viu na semana passada, no Paraná; que o MST ameaça provocar uma nova guerra de Canudos (a loucura crudelíssima que há um século explodiu no sertão da Bahia) no Pontal do Paranapanema, em São Paulo; que o MST tende a se ampliar, agregando o que, na linguagem da própria esquerda radical, chamam de lúmpen urbano, com toda a carga de risco que tal mobilização representa para um país sem meios, como está sentindo o próprio governo do PT, para implementar programas sociais compensatórios pela desigualdade de renda.


O presidente da República, no mínimo, contemporizou com os saques e desordens realizados pelo MST


Como se explica, então, que o presidente da República apareça em público com o boné do MST?
Minha responsabilidade de liderar um partido de oposição -oposição responsável e democrática, como a que fazemos no PFL, que não grita "Fora Lula!", mas que aposta na resposta eleitoral sensata à absoluta incompetência do governo petista- obriga-me a um protesto sério contra esse ato simbólico e temerário do presidente da República.
É verdade que essa cumplicidade do governo com o MST não se revelou apenas na foto do boné. Apesar do axioma que diz que "uma imagem vale mil palavras", é bom não esquecer que o MST tem a boa vontade do Ministério do Desenvolvimento Agrário, que, além do Incra (cujos dirigentes foram indicados ou apoiados diretamente pelo sr. Stedile), tem as verbas da agricultura familiar, um dos maiores investimentos públicos atuais da República.
Moral da história (ou imoralidade da situação?): estamos diante de um daqueles episódios fortuitos em que estadistas, por inexperiência ou pura inadvertência, subvertem a própria ordem legal que os elegeu e sustenta, condenando-se a ocasos melancólicos, porque o mesmo voto popular que o elegeu em 2002 pode condená-lo em 2006. Quem sabe, já nas eleições municipais de 2004, como começam a indicar as pesquisas, não teremos uma resposta a desatinos como esse uso do boné da insensatez?
Quem lembrará ao presidente da República que ele não chegou ao poder levado por barricadas, invasões ou desordens, mas pelo voto legítimo da sociedade, que ele amealhou numa consagradora campanha eleitoral, prometendo manter as instituições democráticas, que o MST chama de "democracia burguesa"?

Jorge Bornhausen, 65, senador pelo PFL-SC, é o presidente nacional do partido.


Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Michel Temer: A constitucionalidade da emenda

Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.