|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FERNANDO GABEIRA
A cerimônia do adeus
RIO DE JANEIRO - Não tenho
condições de intervir, diretamente,
na crise do Senado. O foco agora é
Sarney. Interagimos em vários momentos históricos. Fui detido algumas horas, no seu governo, porque
exibi o filme que proibiu -"Je Vous
Salue Marie". Fizemos o mesmo
projeto de garantia de coquetel gratuito para portadores de HIV. Gostamos de ler e de escrever. Sempre
houve cordialidade entre nós.
Difícil entender como ainda não
percebeu que a renúncia é a melhor
coisa para ele. Nem por que alguém
tão preocupado com o ritual da presidência é tão alheio à cerimônia do
adeus, um ajuste de contas com a
biografia, na fase final da existência.
Não o considero o único responsável pela crise do Senado; sua saída é
apenas uma condição. Se a reforma
sair como se deseja, poderá argumentar que seu gesto contribuiu
para ela. Se não sair, poderá afirmar
que foi um equívoco concentrar nele tanta expectativa.
Não adianta prosseguir como um
fósforo frio. Essa etapa está decidida. Depois das punições, a fase crucial será vivida adiante: austeridade. Com tantos funcionários, será
preciso coragem para demitir.
Mesmo se o país tiver que pagar
para cumprir essa decisão, compensa estancar o desperdício, que
se manifesta também na miríade de
gratificações.
A denúncia do escândalo das passagens no Congresso representou
um grande avanço. Milhões de reais
foram economizados quando se
adotaram novas regras. É a face material da luta pela transparência:
otimizar o dinheiro público.
O Senado e a Câmara, num nível
menor, revelaram-se para a sociedade como duas instituições perdulárias. O preço é a perda da credibilidade, em seguida, a perda total do
respeito. Como é possível aceitar
este caminho, fazer da política uma
vergonhosa atividade humana?
Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Fim do Senado Próximo Texto: José Sarney: Pinotti, um vazio que fica Índice
|