São Paulo, quinta-feira, 03 de agosto de 2006

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CLÓVIS ROSSI

90 anos depois

SÃO PAULO - O leitor César Rasec (Salvador, BA) manda o que ele chama corretamente de pérola: prefácio do poeta Olavo Bilac para o livro "Lendas e Tradições Brasileiras", de Affonso Arinos.
Em dado momento, Bilac escreve no prefácio que "Affonso Arinos resumiu, com precisão cruel, os males que nos adoecem e nos envergonham: a dispersão dos bons esforços; o desamparo do povo do interior, dócil e resignado, roído de epidemias e de impostos; a falta de ensino; a desorganização administrativa; a incompetência econômica; a insuficiência; a ignorância petulante e egoísta dos que governam este imenso território, em que ainda não existe nação".
Escrevi coisas parecidas, com menos classe obviamente, uma e mil vezes nos últimos 19 anos, tempo em que ocupo este espaço.
O diabo é que o prefácio de Bilac é de janeiro de 1917. Ou seja, faz, arredondando, 90 anos, quase um século, que o Brasil inexiste como nação, de acordo com dois de seus grandes, Bilac e Arinos.
E ainda não havia PCC, balas perdidas, trancas, grades etc.
A grande vantagem dessa constatação é que posso, definitivamente, abandonar qualquer esperança de um dia poder escrever algo de realmente bom e esperançador sobre a pobre pátria: se, em 90 anos, todas as feridas continuam sangrando, não creio que consiga viver mais 90 anos para ver a mudança.
Até porque nada garante que haverá mudança em 90, 100 ou 200 anos.
Pior: o tal de povo continua "dócil e resignado", mas não só no interior, também nas capitais, nas escolas, nos escritórios, nas repartições, nas fábricas.
E, como óbvia decorrência, os governantes continuam "petulantes e egoístas", para ficar só nos termos de um poeta. Aliás cada vez mais petulantes, aconchegados na impunidade que é a inescapável seqüela da docilidade e resignação da pobre tribo brasileira.


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