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CLÓVIS ROSSI
90 anos depois
SÃO PAULO - O leitor César Rasec
(Salvador, BA) manda o que ele chama corretamente de pérola: prefácio do poeta Olavo Bilac para o livro
"Lendas e Tradições Brasileiras",
de Affonso Arinos.
Em dado momento, Bilac escreve
no prefácio que "Affonso Arinos resumiu, com precisão cruel, os males
que nos adoecem e nos envergonham: a dispersão dos bons esforços; o desamparo do povo do interior, dócil e resignado, roído de epidemias e de impostos; a falta de ensino; a desorganização administrativa; a incompetência econômica; a
insuficiência; a ignorância petulante e egoísta dos que governam este
imenso território, em que ainda
não existe nação".
Escrevi coisas parecidas, com
menos classe obviamente, uma e
mil vezes nos últimos 19 anos, tempo em que ocupo este espaço.
O diabo é que o prefácio de Bilac é
de janeiro de 1917. Ou seja, faz, arredondando, 90 anos, quase um século, que o Brasil inexiste como nação,
de acordo com dois de seus grandes,
Bilac e Arinos.
E ainda não havia PCC, balas perdidas, trancas, grades etc.
A grande vantagem dessa constatação é que posso, definitivamente,
abandonar qualquer esperança de
um dia poder escrever algo de realmente bom e esperançador sobre a
pobre pátria: se, em 90 anos, todas
as feridas continuam sangrando,
não creio que consiga viver mais 90
anos para ver a mudança.
Até porque nada garante que haverá mudança em 90, 100 ou 200
anos.
Pior: o tal de povo continua "dócil
e resignado", mas não só no interior, também nas capitais, nas escolas, nos escritórios, nas repartições,
nas fábricas.
E, como óbvia decorrência, os governantes continuam "petulantes e
egoístas", para ficar só nos termos
de um poeta. Aliás cada vez mais petulantes, aconchegados na impunidade que é a inescapável seqüela da
docilidade e resignação da pobre
tribo brasileira.
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