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São Paulo, quarta-feira, 03 de dezembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A responsabilidade dos vereadores

LUIZ CARLOS COSTA

Com grande atraso em relação ao prazo definido em lei, a Sempla (Secretaria Municipal de Planejamento) enviou à Câmara Municipal de São Paulo, há poucos dias, a versão aparentemente final dos planos diretores regionais e da Lei de Uso e Ocupação do Solo supostamente substitutivos do atual zoneamento. Trata-se de dois dos projetos previstos como complementares ao Plano Diretor Estratégico (PDE), nos quais a mesma Sempla prometera considerar as críticas feitas por associações e técnicos da sociedade civil, quando da aprovação da Lei do PDE.
Apesar das enormes dificuldades para a obtenção da versão completa e final desses projetos, em contínua modificação, técnicos e associações que puderam examiná-los indicam que persistem precariedades e riscos inaceitáveis em face da importância das leis constitutivas do Plano Diretor e do impacto que devem ter sobre a cidade. Impõe-se, portanto, uma revisão e complementação criteriosa desses projetos, não tendo sentido nenhuma pressão por uma tramitação de urgência. Para dizer o mínimo, os projetos apresentados têm, ao lado de méritos incontestáveis, pelo menos três problemas fundamentais.
Em primeiro lugar, eles ainda não logram, em seu conjunto, compor uma estratégia clara e convincente que indique como a cidade poderá realisticamente superar, nessas décadas iniciais do milênio, os problemas básicos que notoriamente comprometem seu futuro: os congestionamentos crescentes e a insuficiência dos transportes coletivos; a perda dos mananciais de água e a ampliação das enchentes; a impossibilidade de a população de baixa renda ter acesso à moradia e serviços urbanos essenciais. Sem falar na tendência de elitização e despovoamento das áreas mais bem equipadas da cidade, o que torna crônica a expansão de favelas e periferias miseráveis, causa profunda da espantosa exclusão social e violência urbana que marcam São Paulo.


Persistem precariedades e riscos inaceitáveis em face da importância das leis constitutivas do Plano Diretor


Em segundo lugar, os planos regionais mantêm inúmeras indefinições e contradições entre objetivos e diretrizes, programas e normas, muitas já apontadas quando do PDE, que persistiram e se multiplicaram, sobretudo em razão da pressa e da falta de método dominantes na tumultuada elaboração dos planos regionais. Produzidos na ausência dos prometidos planos setoriais básicos, como o de transportes, de habitação e uso do solo, e sem um controle competente de conjunto, esses planos, longe de serem articulados como exigido pela lei do PDE, formam uma "colcha de retalhos" que os mapas recém-mostrados permitem constatar.
Em terceiro lugar, quanto à lei de uso do solo prematuramente proposta para substituir o atual zoneamento, tem-se alertado para o perigo dos adensamentos construtivos permitidos sem um cálculo confiável da capacidade de suporte das áreas, o que possibilita tanto o agravamento de congestionamentos quanto a inibição de potenciais imobiliários. Além de questionamentos gerais sobre zonas e usos, destaca-se agora o fato de as propostas serem insuficientemente ajustadas às características locais e às preferências das comunidades, possibilitando efeitos danosos à qualidade urbanística e ambiental dos bairros. Por suas indefinições, a nova lei cria uma margem excessiva de arbítrio para as administrações aprovarem projetos, o que significa dificuldades para o setor imobiliário planejar sua atividade.
Tudo isso demonstra que forçar a aprovação apressada dos atuais projetos por razões meramente circunstanciais corresponde a uma atitude duplamente irresponsável. De um lado, porque se estará abortando um debate iniciado há muitos anos para definir e instituir uma estratégia de salvação de São Paulo que livre a cidade de seus problemas críticos e a prepare para os desafios do novo milênio. De outro lado, porque as propostas de intervenção executiva ou normativa não foram ainda quantificadas nem foram simulados seus custos e efeitos o bastante para demonstrar sua eficácia e viabilidade. Também não foram submetidas a uma verdadeira consulta popular, capaz de tranquilizar as comunidades sobre os efeitos das novas normas e gerar alternativas negociadas entre os vários interessados.
Nesse quadro, a única postura responsável da Câmara é a de se propor, agora, a arrolar os pontos de cada projeto e do conjunto deles que a sociedade civil vem contestando consistentemente e definir um programa sensato para sua apropriada discussão e correção. O que inclui prover as condições para obter os fundamentos técnicos faltantes, dependentes ou não do Executivo, e fazer os debates esclarecedores a que a sociedade tem direito pleno, expresso na Constituição e no Estatuto da Cidade.
Este também é o momento de o eleitorado poder distinguir, no conjunto de vereadores que, salvo honrosas exceções, mantém-se alheio aos debates e ausente das "audiências públicas", aqueles que se mostram dignos da missão histórica que lhes cabe, qual seja, obter e aprovar um Plano Diretor à altura dos desafios históricos impostos à cidade.
Aderir ou não a uma reprogramação de trabalhos adequada para concluir o Plano Diretor de forma responsável será talvez o divisor de águas que identificará os que estão e os que não estão efetivamente comprometidos com o futuro de São Paulo.

Luiz Carlos Costa, 68, arquiteto e urbanista, é professor de planejamento urbano da FAU-USP. Foi coordenador da equipe técnica do Plano Diretor de São Paulo (1981/83).


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