São Paulo, quinta-feira, 04 de março de 2004

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CLÓVIS ROSSI

A Iberia e o Brasil

LISBOA - A frase mais axiomática do capitalismo é "não há almoço grátis", ou, na língua dominante, "there is no free lunch".
É justo. Mas não precisavam exagerar. A Iberia, a companhia aérea espanhola, suprimiu, desde anteontem, o serviço de bordo gratuito. Quem quiser comer ou beber em vôos curtos e médios tem de pagar, a não ser que viaje na classe executiva.
Ainda continuaria sendo justo se não fossem dois fatos:
1 - Os preços de bordo são obscenos. Uma latinha de Coca-Cola de 33 cl. custa 2,50 (cerca de R$ 9). No bar do aeroporto de Barajas, sai por 1,75. E bar de aeroporto não é lugar de produto barato em país nenhum.
2 - A passagem continua custando o mesmo, embora o valor das refeições estivesse, como é óbvio, embutido no preço do bilhete.
Promete-se para um futuro vago reduzir o preço do bilhete, quando a economia decorrente disso estiver dando resultados. Deve ser o capitalismo cristão, que, como a igreja, cobra sacrifícios no presente (para os não-capitalistas e para os pecadores, é claro) em troca de benefícios no futuro, que raramente chegam.
Não é o único engodo teórico. O euro, a moeda comum hoje usada por 12 países europeus, embute outro. Dizia-se que uma de suas vantagens seria permitir comparar preços cristalinamente. Um cidadão alemão, por exemplo, saberia se um carro custa mais ou menos na Espanha, se o bilhete de metrô é mais barato ou não na França e se o chucrute vale mais ou menos na Grécia.
Sempre na teoria, haveria pressão para que, digamos, os preços alemães, mais altos, convergissem para os mais baixos, como os da Espanha, por exemplo.
Deu-se exatamente o inverso: os preços espanhóis é que convergiram (e continuam convergindo) para os mais altos.
É por essas e por outras que seguir cegamente os manuais de economia, como faz o governo, não é uma política, é uma aposta. Pode até dar certo, mas é mais provável que viremos uma gigantesca Iberia.


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