São Paulo, terça-feira, 04 de maio de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Pirataria e pretexto

BRUXELAS - Que pirataria deve ser duramente combatida, nem é preciso dizer. Mas pretender transformar a pirataria em pretexto para retaliações comerciais é outra história.
No fundo, essa é a raiz da divergência entre Brasil e Estados Unidos nas negociações da Área de Livre Comércio das Américas no capítulo referente ao respeito aos direitos de propriedade intelectual.
Comenta o ministro Celso Amorim, que, como chanceler, chefia todos os negociadores brasileiros: "Se muitas vezes não há dinheiro para combater o tráfico de armas, pode não haver dinheiro para combater a pirataria. Nem por isso temos de aceitar retaliações comerciais, que acabariam punindo a falta de dinheiro, porque não há uma política oficial de apoio ou tolerância com a pirataria".
É evidente que há outro ponto em que as divergências são profundas: os Estados Unidos estão criando problemas para aceitar decisão da Organização Mundial do Comércio pela qual o direito à saúde se sobrepõe ao direito às patentes.
Ou traduzindo: os países devem ter o direito de importar genéricos, mais baratos, para combater determinadas doenças, com o que o direito às patentes fica arranhado, quando não anulado.
O problema é que combater a pirataria tem tanta lógica que fica extremamente simpático apresentar o Brasil como violador contumaz dos direitos de propriedade intelectual, com o que, subrepticiamente, se passa a idéia de que um país com esse, digamos, prontuário precisa ser punido de alguma forma.
É claro que o governo pode fazer muito mais para combater a pirataria, mas nem por isso é lícito, a partir desse pretexto, impor barreiras comerciais. Não passa de protecionismo embrulhado em um argumento politicamente correto.
Mais ou menos como no aço: quando a produção era quase toda estatal, havia de fato subsídios. Mas as restrições norte-americanas não cessaram quando o setor foi privatizado e, por extensão, deixaram de ser concedidos os subsídios.


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