São Paulo, quinta-feira, 04 de maio de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O remédio necessário

MILÚ VILLELA

O estudo divulgado pela Unesco que mostra o Brasil como um dos países com maior índice de repetência no ensino fundamental no mundo não poderia chegar em melhor hora. O indicador, que nos coloca ao lado de Burundi, Moçambique e Camboja, é o alerta que faltava para a corrida eleitoral que se avizinha.


Não podemos mais suportar ver a educação colocada em segundo plano no debate político, como ocorre há décadas


Definitivamente, o problema está na arena. Não podemos mais suportar ver a educação colocada em segundo plano no debate político, como ocorre há décadas. A questão, se não quisermos continuar perdendo competitividade num cenário global em que o conhecimento é fator decisivo, tem necessariamente que ocupar o centro das preocupações daqueles que postulam comandar o país nos próximos quatro anos e no futuro de longo prazo.
É bom começarmos a nos debruçar sobre os dilemas do ensino com a mesma voracidade com que nos entregamos ao exame de temas como juros, câmbio, déficit público e outros assuntos correlatos de economia, que têm lugar certo no altar dos políticos, da mídia e dos agentes de mercado toda vez que nos colocamos diante do processo de escolha de nossos dirigentes.
Mais que nunca temos que ter presente que só um sistema educacional forte, alinhado com as demandas contemporâneas, pode garantir a construção de um modelo sustentável de crescimento e de melhoria das condições sociais. Países como Coréia do Sul, Irlanda, Índia e o nosso vizinho Chile já nos deram lições suficientes sobre o assunto.
O caso da Coréia do Sul, que chama tanto a atenção da mídia por seus resultados extraordinários, dá bem a dimensão do que a educação é capaz de fazer por um país. Há 40 anos, o PIB per capita daquele país era a metade do nosso. Hoje é o dobro. Não é de admirar. A Coréia do Sul elegeu a educação como prioridade estratégica, investiu pesado na formação de professores, ampliou as horas de estudo, informatizou suas escolas, tudo com o objetivo de fazer o país crescer e se tornar um grande exportador de produtos acabados.
Resultado: enquanto de 1996 a 2005, o PIB per capta cresceu na média 3,7% ao ano entre os coreanos, o do Brasil não passou perto disso. Ficou em torno de 0,7%. A educação não respondeu sozinha pelo fenômeno, é claro. Mas não há hoje quem conteste que teve papel decisivo na formação do indicador.
O caso da repetência levantado pela Unesco é apenas um entre os muitos indicadores dramáticos de nossa educação que teimam em nos afastar cada vez mais de realidades semelhantes à da Coréia do Sul.
Outros problemas estruturais, e tão devastadores quanto a repetência, resistem no universo da educação brasileira. O analfabetismo funcional é um deles. Estudo feito em 2005 pelo Instituto Paulo Montenegro, do grupo Ibope, revela que apenas 26% da população brasileira tem o domínio pleno das habilidades de leitura e escrita. O restante da população está em estágio de analfabetismo (7%), de alfabetização rudimentar (30%) ou alfabetização básica (38%). Ou seja, a maioria da população brasileira quando lê e escreve o faz de forma precária, o que debilita a capacidade de avançar profissionalmente e conquistar melhores condições de vida.
A evasão escolar é outro fator negativo da vida escolar no país. Apenas 54 de cada 100 alunos que entram no sistema de ensino chegam a concluir a oitava série. Pesquisa realizada recentemente pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas mostra bem o resultado deste fenômeno: 27% dos jovens de 15 a 24 anos estão sem estudo e trabalho. Ou seja, boa parte dos brasileiros em idade de se integrar ao mercado não ultrapassa o estágio do ensino fundamental e não consegue trabalho por falta de qualificação. Trata-se de um problema de proporções homéricas num país de 186 milhões de habitantes, dos quais 54 milhões em idade escolar.
O fato a registrar, entretanto, é singelo e pode ser dito em poucas palavras; não podemos conviver mais com a falta de um projeto estruturado para a educação. Os candidatos que não mostrarem com clareza e coerência o que irão fazer para transformar a educação no Brasil não merecem o nosso voto. A redenção econômica e social que tanto almejamos só se concretizará se colocarmos a educação como prioridade nacional.
Faz-se necessário, para não dizer obrigatório, que os pretendentes ao Planalto e toda a nação brasileira assumam o compromisso de elevar a educação ao posto de principal instrumento de nossas políticas públicas. A educação revoluciona países, elimina a pobreza e faz o conjunto da sociedade prosperar. É o remédio que nos falta.

Milú Villela, 59, empresária, é embaixadora da Boa Vontade da Unesco e presidente do Faça Parte - Instituto Brasil Voluntário, do Museu de Arte Moderna e do Instituto Itaú Cultural.


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