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Jogos de azar e segurança pública
MARCO VINÍCIO PETRELLUZZI
A regulamentação do jogo traria diversos benefícios. Sua exploração legal pode ser valiosa fonte de recursos para a segurança pública
A OPERAÇÃO "hurricane" deixou evidente para a opinião
pública algo que as pessoas que
estudam o tema vinham alertando há
muito tempo. Como se viu, deixar a
exploração de jogos de azar em zona
cinzenta entre a legalidade e a clandestinidade trouxe benefícios apenas
aos servidores públicos que optaram
pela corrupção. Foi nessa linha que,
segundo se noticiou, fiscais, policiais,
magistrados, procuradores etc., se
aproveitando, de um lado, da tolerância com que a sociedade vê essa atividade, e, de outro, da fragilidade legal
em que os exploradores do jogo se encontravam, instalaram a hoje denominada máfia dos bingos, se apropriando de vultosas quantias.
Nesse ponto, merece reconhecimento a primorosa investigação levada a efeito pela Polícia Federal, que
demonstrou competência para, sobretudo, manter a investigação sob o
sigilo indispensável a seu sucesso.
A situação de incerteza jurídica cria
grande campo de atuação aos comprometidos com a corrupção no interior da administração pública e afasta
da atividade exploratória do jogo
qualquer grupo empresarial sério.
Não me encontro entre os que se
posicionam contrariamente à exploração legal do jogo. Creio que a visão
de que o jogo é uma atividade marginal e que favorece a prática de outros
crimes é equivocada e ultrapassada.
Veja-se que, na maioria das democracias ocidentais, o jogo é legal, gera
bom número de empregos e se constitui em valiosa fonte de recursos para
o setor público. Nesse sentido, Itália,
Inglaterra, França, Espanha, Portugal, EUA etc. legalizaram a exploração
do jogo sem que isso tenha significado
facilitação à criminalidade.
A lavagem de dinheiro, que é comumente associada aos cassinos, é hoje
eficientemente reprimida mediante
controles eletrônicos que a tecnologia moderna admite. Além disso,
qualquer empresa do setor de serviços, como bares, restaurantes, casas
de espetáculos etc., pode se prestar à
lavagem de dinheiro -sem que se
imagine proibir essas atividades.
A regulamentação do jogo traria,
ainda, benefícios aos consumidores
desse tipo de entretenimento, possibilitando a existência de comissões de
controle do jogo que, como é feito no
Estado de Nevada, nos EUA, limitariam os lucros e imporiam a manutenção de programas de assistência a
jogadores compulsivos.
Apenas para exemplificar, enquanto em algumas partes dos EUA as comissões de controle do jogo determinam que as máquinas caça-níqueis
devolvam em prêmios, no mínimo,
90% do que arrecadam, a maioria das
máquinas apreendidas pela polícia de
São Paulo em 2000 (quando fizemos
a primeira grande operação contra o
jogo clandestino) devolvia menos de
50% de sua arrecadação em prêmios.
Porém, acima de tudo, a exploração
legal do jogo pode ser valiosa fonte de
recursos para a área da segurança pública, que hoje não possui nenhuma
receita vinculada. A cobrança de uma
taxa mensal para o funcionamento de
determinados equipamentos, como
caça-níqueis, mesas de jogo etc., pode
ser legalmente canalizada para gastos
com segurança pública, inclusive para
o incremento dos vencimentos dos
policiais.
É necessário, pois, coragem e ousadia para propor uma regulamentação
forte e que outorgue segurança a grupos empresariais sérios que estejam
dispostos a efetivar os vultosos investimentos necessários a esses empreendimentos.
Creio, assim, que o jogo deve ser estatizado, permitindo-se sua exploração mediante concessão a grupos econômicos que assumam compromissos formais com investimentos e geração de empregos e se submetam ao
regime tributário estabelecido pela
lei, além da fiscalização permanente
de comissões de controle do jogo.
O jogo é um negócio que movimenta muitos recursos e que tem plena
aceitação pela população brasileira,
conforme comprova o antigo sucesso
do jogo do bicho e, agora, dos bingos.
Esse negócio continuará a existir nos
subterrâneos, sem controle e favorecendo a corrupção, ou à luz do dia, como atividade negocial, submetida ao
controle estatal, como ocorre nas democracias ocidentais.
No Brasil, onde temos o péssimo
hábito de estatizar o risco negocial
inerente ao capitalismo, essa é uma
rara oportunidade de, ao inverso, trazer às receitas públicas enormes recursos que hoje são encampados pela
corrupção e pelo desvio.
MARCO VINÍCIO PETRELLUZZI, 50, é procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo. Foi secretário da
Segurança Pública do Estado de São Paulo (1999-2002).
petrelluzzi@uol.com.br
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