São Paulo, terça-feira, 04 de junho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A vergonha do analfabetismo

LUIZ GONZAGA BERTELLI

O ministério do governo Fernando Henrique Cardoso que está tendo mais consistente sucesso, ao que tudo indica, é o da Educação.
Contudo os dados finais do Censo Demográfico de 2000, recentemente divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), evidenciaram que o número de brasileiros analfabetos permanece extremamente elevado.
No início do terceiro milênio, 170 milhões de pessoas habitam o território continental pátrio. Cerca de 3% da população mundial, de 6 bilhões de pessoas, vive aqui. Há uma década, quando do último levantamento estatístico, a população brasileira atingia 147 milhões de habitantes.
Atualmente 120 milhões de compatriotas se consideram em condições de ler e escrever. Contudo em torno de 18 milhões de brasileiros, numa faixa etária de dez anos ou mais de idade, não foram ainda alfabetizados, o que representa a maior taxa de analfabetismo da América Latina. Em praticamente todos os lugares, a percentagem de mulheres analfabetas é superior à dos homens, desproporção que se acentua quanto mais pobre for um país.
Na Argentina, a taxa de analfabetismo da população com mais de 15 anos é de 3%. O Chile possui um percentual de 4%. A Venezuela, de 7%, enquanto na Colômbia ela é de mais de 8%.
Outra acentuada preocupação é com o analfabeto funcional, que sabe ler e escrever, podendo ter até diversos graus de educação. Contudo, do ponto de vista cultural, é tão analfabeto quanto o outro ou mais. São também chamados de "analfabetos por descaso", eis que, tendo aprendido a ler e a escrever, pouco ou nada utilizam seus conhecimentos na vida prática.
Existem projeções de um índice superior a 30% de analfabetos funcionais, o que deverá ser ratificado no vindouro censo nacional. Rigorosamente, a luta para erradicar o analfabetismo tem apresentado resultados ainda inexpressivos.
No início do século passado, o Brasil possuía 6 milhões de ágrafos, como os denomina o dicionarista Antônio Houaiss. Com a Carta Magna de 1934, foi instituído o ensino primário gratuito extensivo aos adultos. Na expressão do mestre e acadêmico Arnaldo Niskier, nada melhorou, mesmo com a Constituição outorgada de 1937 ("o ensino primário é obrigatório até os 14 anos de idade").


Façamos salas de aula rústicas, sem luxo, de madeira, à sombra das árvores, nos salões de festas dos clubes


Nos idos de 40, na gestão do ministro da Educação Gustavo Capanema, foi instituído o Fundo para o Desenvolvimento do Ensino Primário, reservando 25% de todas as suas verbas orçamentárias para a alfabetização de adultos. Cinco anos após, em 1947, era instituída a Campanha da Alfabetização de Adolescentes e Adultos. Em 20 anos, de 1940 a 60, a percentagem de analfabetos decrescera de 56% para 40%, o que foi considerado um resultado favorável.
Mais tarde, presidido pelo ex-ministro Mário Henrique Simonsen, era criado o Mobral, com a ambiciosa meta de alfabetizar 11,4 milhões de adultos até 1971, objetivando a eliminação total do analfabetismo em 1975. As estatísticas oficiais indicam terem sido alfabetizados 11,2 milhões de pessoas. Esses dados têm sido questionados por outras agências governamentais.
Começava, novamente, a escalada do futuro. Em cerca de um triênio, foram concentrados esforços para alfabetizar 5 milhões de adultos (acima dos 15 anos de idade). O movimento foi encerrado em 1985, com a transferência da responsabilidade da alfabetização para as prefeituras.
A Constituição de 1988 previa que o Brasil não teria mais analfabetos em 1998. Em 96 foi instituído o Comunidade Solidária, presidido pela professora Ruth Cardoso. A sua atuação está restrita às regiões Norte e Nordeste, em parcerias com as universidades e empresas, que fornecem recursos financeiros e humanos. Mais de 10 milhões de analfabetos vivem nessas áreas. O fim do analfabetismo no Brasil custará cerca de R$ 3,5 bilhões, segundo a previsão do Comunidade Solidária, que gasta R$ 34 mensais a fim de ensinar uma pessoa a ler num prazo de seis meses.
Inquestionavelmente, o futuro brasileiro está na alfabetização. Existe um enorme desafio para nos redimirmos dos erros do passado, investindo na mobilização da consciência nacional. Governo, empresários e educadores devem ser, portanto, agentes dessa grande obra.
O investimento na educação, conforme recente estudo da FGV, é a saída mais adequada para melhorar as condições de vida da população brasileira. A cada ano adicional de estudo, a renda do trabalho aumenta, em média, 16% ao longo da vida. Isto é, se a renda de um analfabeto é de R$ 100, será de R$ 116 se esse analfabeto acumular um ano de estudo e assim por diante, explica o economista Marcelo Neri. As elevadas taxas do "analfabetismo" e a baixa escolaridade têm impacto direto na qualidade de vida dos brasileiros.
Vamos convocar, portanto, as entidades de classe, os clubes de serviço, as Forças Armadas, as igrejas, a imprensa e as entidades filantrópicas. Façamos salas de aula rústicas, sem luxo, de madeira, à sombra das árvores, nos salões de festas dos clubes e dos condomínios. E façamos isso com urgência, determinação, patriotismo e amor.
Somente dessa forma iniciaremos a verdadeira erradicação do analfabetismo no Brasil.


Luiz Gonzaga Bertelli, 67, é diretor da Federação e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp/Ciesp) e da Associação Comercial de São Paulo e presidente-executivo do Ciee (Centro de Integração Empresa-Escola).



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