São Paulo, quinta-feira, 04 de julho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CLÓVIS ROSSI

Fronteiras

BUENOS AIRES - Antigamente, a fronteira entre a esnobe Buenos Aires e o restante do país, comum e corrente, era a avenida General Paz, aquela que separa a capital federal argentina da Província também chamada Buenos Aires.
Difícil era dizer se os portenhos, os habitantes da capital federal, desprezavam mais os "macaquitos brasileños" ou os "cabecitas negras" da Província, que formavam a base do populismo peronista.
Parecia um pouco com Santiago do Chile. Para Salvador Allende, o presidente que se suicidou para não render-se à infâmia do golpe militar de 1973, a fronteira entre os bairros "lindos" e o Chile profundo e verdadeiro era a Plaza Itália.
Fica no fim (ou começo, sei lá) da avenida Libertador Bernardo O'Higgins, que os santiaguinos chamam só de "alameda", a principal avenida da cidade, onde tudo acontece, politicamente ao menos.
Hoje, o Chile "lindo" além Plaza Itália ficou muito mais opulento, sem que o Chile profundo tenha mudado tanto. A "fronteira" é, pois, mais nítida, mais larga.
Em Buenos Aires, a crise trouxe a fronteira para mais perto do centro. Hoje, a rigor, fica na avenida de Mayo, a que divide o norte mais rico do sul mais pobre, a avenida em que as ruas da capital mudam de nome, embora sigam em linha reta depois dela.
Ao sul da avenida de Mayo, aumenta, regularmente, um certo sabor a La Paz ou a Lima, cidades mais tipicamente latino-americanas do que a ainda formidável Buenos Aires. Esta velha e elegante senhora já tem dificuldades para esconder as feias cicatrizes deixadas por uma inacreditável sucessão de desacertos.
O diabo é que em São Paulo, sem tantas e tão profundas crises, a obscena pobreza e a criminalidade incontrolável estão empurrando as fronteiras rumo a uma cidade "100% Jardim Irene".



Texto Anterior: Editoriais: ALARME NA AIDS

Próximo Texto: Brasília - Eliane Cantanhêde: Sem destino
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.