São Paulo, quinta-feira, 04 de julho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIANE CANTANHÊDE

Sem destino

BRASÍLIA - Quem disse que a novela Bustani acabou?
Se você não se lembra, trata-se do embaixador brasileiro José Maurício Bustani, eleito diretor-geral da Opaq (Organização para a Proscrição das Armas Químicas) e depois derrubado ostensivamente pelos EUA.
Um dos motivos, ou o principal deles, é que Bustani vinha levando a sério a missão de reduzir ao máximo as armas químicas no mundo, atraindo para a Opaq até países bélicos (e belicosos) como o Iraque e a Líbia.
Os EUA, principais financiadores da organização -além de donos do mundo-, não gostaram. Pressionaram e acabaram destronando Bustani, que se ressentiu amargamente de um sutil, mal disfarçado, lavar de mãos da diplomacia brasileira.
Sem cargo, sem apoio e danado da vida, ele segue acusando os norte-americanos de quererem transformar o diretor da Opaq em mero agente de seus próprios interesses. Ou seja, Bustani não morreu. Está por aí, assombrando uns e outros.
A última dele foi uma entrevista à agência de notícias BBC -que, como tudo hoje em dia, circula abertamente pela internet e atinge o mundo-, em que se queixou dos EUA, do Brasil e até da vida.
Relata ele na entrevista que teve de fechar às pressas a sua casa em Haia (Holanda) porque o prazo de seu visto oficial expirava e que hoje está perambulando feito alma penada. Ficou sem casa e sem posto no Itamaraty, onde tudo é um jogo de encaixes que atende a uma velha lei da física e da política: um embaixador só entra quando outro já saiu.
Sem ter onde encaixá-lo, os amigos providenciaram uma vaga provisória: o Consulado Geral de Londres, enquanto o cônsul efetivo, Paulo Campos, está no Brasil a serviço.
O início é zangado, mas o final da entrevista de Bustani à BBC é melancólico: "Hoje, eu me encontro sem função, sem casa e sem destino".
O mundo está lendo e vendo. O Itamaraty, em vez de se apiedar, ficou furioso. Não é linguagem de diplomata, alega. Talvez seja de gente.


Texto Anterior: Buenos Aires - Clóvis Rossi: Fronteiras
Próximo Texto: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Conto oriental
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.