São Paulo, terça-feira, 04 de julho de 2006

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CLÓVIS ROSSI

A mentira dos com-juros

LISBOA - Escrevi há dias, neste espaço, que cabia duvidar das pesquisas que indicam redução da desigualdade no Brasil, a partir do governo Fernando Henrique Cardoso, por conta das diferentes modalidades de bolsas-esmola.
A tese, lógica, era esta: pobre, ou quem tem como renda só o salário, declara-a ao pesquisador. Quem recebe algum rendimento por investimento, nem que seja a modesta poupança, não declara toda a renda.
Ou por má-fé, ou por medo, ou por puro esquecimento.
Resultado: aumentou o rendimento do pobre e de parte dos assalariados, que declaram tudo. Mas aumentou também, talvez até mais, a remuneração de quem, além da renda por sua atividade, ganha uns bons jurinhos. Só que esses não declaram tudo.
O que era lógica, agora é ciência, em trabalho de dois pesquisadores do Ipea, Marcelo Medeiros e Sergei Soares, conforme relato desta Folha. Segundo eles, há "uma brutal subdeclaração dessa fonte de rendimentos [juros] na Pnad", a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios, a única fonte para medir a desigualdade. Medeiros chega a pôr números nesta "brutal subdeclaração": "A pesquisa do IBGE só capta 10% dos rendimentos das famílias com juros".
Segundo dado sobre pobreza/desigualdade registrado pela Folha, o que efetivamente reduz a pobreza no Brasil é o pagamento de aposentadorias e pensões, muito mais que as bolsas-esmola.
Então vamos combinar o seguinte: bolsa-esmola é necessária, deve até aumentar (o valor e o número de beneficiados), mas está longe de ser suficiente, seja para combater a pobreza, seja para reduzir a desigualdade, que, aliás, ninguém sabe de verdade se diminuiu, ficou igual ou até aumentou, dada a "subdeclaração" dos com-juros. O resto é propaganda.
@ - crossi@uol.com.br


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