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CLÓVIS ROSSI
A mentira dos com-juros
LISBOA - Escrevi há dias, neste espaço, que cabia duvidar das pesquisas que indicam redução da desigualdade no Brasil, a partir do governo Fernando Henrique Cardoso, por conta das diferentes modalidades de bolsas-esmola.
A tese, lógica, era esta: pobre, ou
quem tem como renda só o salário,
declara-a ao pesquisador. Quem recebe algum rendimento por investimento, nem que seja a modesta
poupança, não declara toda a renda.
Ou por má-fé, ou por medo, ou por
puro esquecimento.
Resultado: aumentou o rendimento do pobre e de parte dos assalariados, que declaram tudo. Mas
aumentou também, talvez até mais,
a remuneração de quem, além da
renda por sua atividade, ganha uns
bons jurinhos. Só que esses não declaram tudo.
O que era lógica, agora é ciência,
em trabalho de dois pesquisadores
do Ipea, Marcelo Medeiros e Sergei
Soares, conforme relato desta
Folha. Segundo eles, há "uma brutal subdeclaração dessa fonte de
rendimentos [juros] na Pnad", a
Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios, a única fonte
para medir a desigualdade. Medeiros chega a pôr números nesta
"brutal subdeclaração": "A pesquisa do IBGE só capta 10% dos rendimentos das famílias com juros".
Segundo dado sobre pobreza/desigualdade registrado pela Folha, o
que efetivamente reduz a pobreza
no Brasil é o pagamento de aposentadorias e pensões, muito mais que
as bolsas-esmola.
Então vamos combinar o seguinte: bolsa-esmola é necessária, deve
até aumentar (o valor e o número
de beneficiados), mas está longe de
ser suficiente, seja para combater a
pobreza, seja para reduzir a desigualdade, que, aliás, ninguém sabe
de verdade se diminuiu, ficou igual
ou até aumentou, dada a "subdeclaração" dos com-juros.
O resto é propaganda.
@ - crossi@uol.com.br
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