São Paulo, terça-feira, 04 de setembro de 2007

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CLÓVIS ROSSI

Dickens não morreu

SÃO PAULO - Recebo continuamente "relatórios sociais" de empresas. Parece que ter responsabilidade social tornou-se tão ou mais importante do que ter lucro. Sou um cético profissional, do que decorre uma desconfiança entre razoável e forte em relação a tais relatórios, por mais que Oded Grajew, um empresário que é, ao mesmo tempo, um cruzado da responsabilidade social, tente me convencer de que as coisas estão mudando -e para melhor.
Bom, na mais recente passagem por Londres, para cobrir a visita do presidente Lula e o jogo Inglaterra x Brasil, acabei dando uma passadinha na Primark, loja de roupas na Oxford Street, a mais movimentada rua comercial da Europa, quiçá do planeta. Parecia a "Ponte da Amizade", tal a quantidade de "sacoleiros" que andavam feito formiguinhas ensandecidas pela loja, à cata de pechinchas.
Era aliás facílimo encontrá-las. Havia até blusinhas para moças a 1 libra, o que dá cerca de 4 reais, preço que nem na José Paulino ou no Saara, no Rio, se encontra. Nas paredes, uma porção de cartazes anunciando que a Primark se pautava pelo comércio justo. Quase que meu ceticismo foi derrotado. Qualidade razoável, preço imbatível e correção político-ambiental na mesma loja?
Ainda bem que meu ceticismo é mais forte que meus santos. O jornal "Guardian" de ontem anuncia que a Primark está entre uma série de grandes varejistas que compram roupas feitas na Índia por pessoas que trabalham em condições "dickensianas" (alusão, bem britânica, a Charles Dickens, o cronista das penúrias da Revolução Industrial do século 19).
A Primark vai investigar as alegações. Beleza. Mas alguém vai investigar quem colocou a Índia (como a China, aliás) entre modelos de potências capitalistas daqui a bem pouco? Dickens por Dickens, ainda prefiro o Brasil.


crossi@uol.com.br

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