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CLÓVIS ROSSI
Dickens não morreu
SÃO PAULO - Recebo continuamente "relatórios sociais" de empresas. Parece que ter responsabilidade social tornou-se tão ou mais
importante do que ter lucro.
Sou um cético profissional, do
que decorre uma desconfiança entre razoável e forte em relação a tais
relatórios, por mais que Oded Grajew, um empresário que é, ao mesmo tempo, um cruzado da responsabilidade social, tente me convencer de que as coisas estão mudando
-e para melhor.
Bom, na mais recente passagem
por Londres, para cobrir a visita do
presidente Lula e o jogo Inglaterra
x Brasil, acabei dando uma passadinha na Primark, loja de roupas na
Oxford Street, a mais movimentada
rua comercial da Europa, quiçá do
planeta. Parecia a "Ponte da Amizade", tal a quantidade de "sacoleiros"
que andavam feito formiguinhas
ensandecidas pela loja, à cata de
pechinchas.
Era aliás facílimo encontrá-las.
Havia até blusinhas para moças a 1
libra, o que dá cerca de 4 reais, preço que nem na José Paulino ou no
Saara, no Rio, se encontra. Nas paredes, uma porção de cartazes
anunciando que a Primark se pautava pelo comércio justo.
Quase que meu ceticismo foi derrotado. Qualidade razoável, preço
imbatível e correção político-ambiental na mesma loja?
Ainda bem que meu ceticismo é
mais forte que meus santos. O jornal "Guardian" de ontem anuncia
que a Primark está entre uma série
de grandes varejistas que compram
roupas feitas na Índia por pessoas
que trabalham em condições "dickensianas" (alusão, bem britânica, a
Charles Dickens, o cronista das penúrias da Revolução Industrial do
século 19).
A Primark vai investigar as alegações. Beleza. Mas alguém vai investigar quem colocou a Índia (como a
China, aliás) entre modelos de potências capitalistas daqui a bem
pouco? Dickens por Dickens, ainda
prefiro o Brasil.
crossi@uol.com.br
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