|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Não à constituinte exclusiva
MICHEL TEMER
Quanto menos se modifica a estrutura normativa, maior estabilidade ganhará o país. Uma constituinte torna instável a segurança jurídica
CONSTITUINTE significa rompimento da ordem jurídica. Romper a ordem jurídica significa
desestabilizar as relações sociais.
Afinal, o direito existe para fixar as
regras do jogo, tornando seguras as
relações das mais variadas ordens:
trabalhistas, comerciais, tributárias,
cíveis, eleitorais. Quanto menos se
modifica a estrutura normativa,
maior estabilidade ganhará o país.
Quanto mais estável a ordem jurídica,
maior a segurança social. Uma constituinte torna instável a segurança jurídica porque ninguém saberá qual será
seu produto.
Lamentavelmente, cultivamos a
mania de legislar a todo instante e
quase sempre de maneira provisória.
Costuma-se entender que Poder Legislativo produtivo é aquele que fabrica grande quantidade de leis, como se
fora um sistema fabril.
Por outro lado, uma constituinte só
pode ser convocada para abrigar situações excepcionais. Somente a excepcionalidade político-constitucional a autoriza. Foi assim com a Constituinte de 87/88. Saímos de um sistema autoritário para um democrático,
e a nova norma jurídica deveria retratar, como o fez, a nova moldura.
Sob essa configuração, é inaceitável
a instalação de uma constituinte exclusiva para propor a reforma política. Não vivemos um clima de exceção
e não podemos banalizar a idéia da
constituinte, seja exclusiva ou não.
Seu pressuposto ancora-se em certo elitismo, porquanto somente pessoas supostamente mais preparadas e
com maior vocação pública poderiam
dela participar. O que, na verdade,
constitui a negação do sistema representativo. Numa sociedade multifacetada como a nossa, multiforme há
de ser a representação popular.
Com todos os defeitos, o Congresso
representa as várias classes sociais e
os mais diversos segmentos produtivos do país. Para realizar a reforma
política, não é preciso invocar uma representação exclusiva. Basta mexer
com os brios dos atuais representantes, que se animarão a realizá-la.
Aliás, para fazer justiça ao atual
corpo parlamentar, os debates sobre a
reforma política se processam intensamente. Trata-se de uma das matérias mais discutidas dentre as que têm
sido objeto das campanhas eleitorais.
Com erros e acertos, o fato é que ela
prossegue. E certamente continuará a
figurar na ordem do dia. Isso não quer
significar que sejamos contra consultas populares, até porque, nos termos
da Constituição atual, "o poder emana do povo, que o exerce diretamente" (grifo para "diretamente").
O que pode ser realizado, para
exemplificar, é uma autorização popular, plebiscitária, para permitir a
revisão do pacto federativo e de outras matérias que são imodificáveis
no texto constitucional (as chamadas
clausulas pétreas). E, desde que, faço
o alerta, não se pense em modificar os
direitos e as garantias individuais e os
direitos sociais.
Tudo indica que esse é o melhor caminho, até porque, convenhamos, há
questões complexas a serem equacionadas: como realizar uma constituinte exclusiva? Os atuais parlamentares
poderiam dela participar? Se participassem, teriam dois mandatos, um
constituinte e um ordinário? Quem
participa da constituinte exclusiva
pode ver cerceado seu direito de cidadão para participar de uma legislatura
ordinária? Não seria uma restrição à
cidadania? Como funcionariam a
constituinte exclusiva e a legislatura
ordinária? Haveria concomitância de
atividades?
Durante a Assembléia Constituinte
de 87/88, lembro, só funcionou a atividade constituinte.
Em suma, uma constituinte exclusiva para a reforma política significa a
desmoralização absoluta da atual representação. É a prova da incapacidade de realizarmos a atualização do sistema político-partidário e eleitoral.
Minha crença é a de que chegaremos a bom termo. Bem ou mal, a Câmara já tratou a questão da fidelidade
partidária. E o Senado Federal já
aprovou regra referente às coligações
partidárias. Na pauta, persistem proposições sobre financiamento de
campanha e o sistema de voto para
eleição dos representantes. Nas últimas eleições, já se proibira certo tipo
de propaganda dos candidatos.
Ou seja, muito já foi feito. É claro
que resta incluir temas importantes,
como o da suplência de senadores.
Tudo isso, porém, continuará a ser
debatido. Não há intenção de extinguir o debate na atual legislatura
ordinária.
MICHEL TEMER, 66, advogado e professor de direito
constitucional da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), é deputado federal (PMDB-SP) e presidente nacional do partido. Foi presidente da Câmara dos
Deputados e secretário da Segurança Pública (governos
Montoro e Fleury) e de Governo (gestão Fleury) do Estado
de São Paulo.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Marta Suplicy: Fazer a roda girar Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|