São Paulo, quinta-feira, 04 de novembro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Guerras e guerrilhas

RIO DE JANEIRO - Com exceção de alguns militares, acho que ninguém discorda da necessidade de abrir os arquivos que o governo guarda até hoje sobre a repressão aos movimentos guerrilheiros, sobretudo os da região do Araguaia. Não há por onde temer qualquer revanchismo, uma vez que os heróis e bandidos, segundo a avaliação individual de cada um de nós, em sua maioria estão mortos, desaparecidos ou desativados.
Houve de tudo naqueles episódios, que conhecemos fragmentariamente. Em linhas gerais, eles são comuns em qualquer tipo de luta guerrilheira, quando uma minoria despreparada tenta enfrentar uma força infinitamente maior e com mais recursos logísticos.
A bestialidade humana costuma explodir nessas ocasiões, bastando lembrar a campanha de Canudos, que bem ou mal ficou historicizada. Não apenas no Brasil, mas em todos os países onde se verificaram confrontos iguais, foram cometidos crimes hediondos em nome da ordem ou da revolução, na base do tradicional lema: o fim justifica os meios.
Um dos maiores historiadores do Rio Grande do Sul recusou-se a registrar aquela sucessão de degolações que marcou uma das revoluções do velho continente de são Pedro. De mãos amarradas, o prisioneiro era colocado de joelhos, o carrasco vinha por trás, suspendia a cabeça da vítima pelo nariz, obrigando-o a oferecer a garganta, inteira e nua, ao facão ou ao machado.
Na ocasião, cada bando tinha seus motivos, seus líderes, seus heróis e desertores. Entrar no mérito desses motivos pode parecer ocioso. É penetrar na infindável disputa do bem e do mal, do certo e errado, do joio e do trigo.
Nivelados pela perspectiva da história, o que sobra de cada massacre é a constatação da incapacidade do homem em se manter civilizado. Sobretudo nos momentos em que vê contestados seus valores, na maioria das vezes provisórios.


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