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CARLOS HEITOR CONY
Tudo passa
RIO DE JANEIRO - Pergunto: estará passando a onda que andou pesada para os lados da pornografia,
entendida em suas manifestações
mais óbvias e agressivas: as revistas
ditas eróticas e os filmes que foram
classificados de pornochanchadas?
Li algumas reportagens a respeito
do assunto.
Um curador de menores, aqui no
Rio, garantiu que as revistas e filmes eróticos tinham nascido de
uma resolução tomada em Havana,
em 1968, e faziam parte de uma estratégia para os comunistas chegarem ao poder. Essa besteira teve
equivalente à esquerda: ouvi de um
comunista histórico a afirmação de
que a pornografia e a droga eram
agenciadas pela CIA com a finalidade de enfraquecer o ímpeto libertário dos povos do Terceiro Mundo.
Talvez todos tenham razão. É
nisso que venho pensando cada vez
mais: o mal do mundo não é a falta
de razão, mas o excesso dela. Todos
têm razão, ou, pelo menos, todos
têm a sua razão.
Lembro o que vi em Portugal, logo depois da Revolução dos Cravos.
A austeridade de Salazar, o Casto,
foi substituída por uma inundação
de revistas pornográficas vindas de
toda a parte, sobretudo os encalhes
suecos e dinamarqueses. Até que a
produção local botou para quebrar
e a grossura chegou a nível insuportável. Ali no Chiado foi colocado um
pôster deste tamanho, com um
imenso pênis (perdão pela feia palavra) ejaculando. Era anúncio de
não sei o quê. No chão, crianças, senhoras, freiras, soldados, todos pisavam em cartazes obscenos: isso
fazia parte da liberdade, na avenida
da própria. Dois anos depois, voltei
a Lisboa e já não havia mais nada.
Nas bancas, nas livrarias, os interessados podiam comprar o que
bem desejassem, mas a poluição
brutal havia passado.
Não por falta de interesse dos
produtores, mas pela relativa apatia
dos consumidores.
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