São Paulo, sábado, 04 de novembro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Poder Judiciário deve reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo?

NÃO

Realidades diversas, tratamentos distintos

PAULO SILVEIRA MARTINS LEÃO JUNIOR

A CONSTITUIÇÃO de 1988 consagra em seu art. 226 uma máxima de pensadores ilustres das mais variadas épocas e tendências ideológicas: a família é a "base da sociedade". Razão pela qual, conforme tradição de nossas Constituições, tem "especial proteção do Estado". Essa proteção se dá mediante o instituto do casamento (entre homem e mulher, conforme parágrafo 5º do art. 226), previsto na Lei Maior e detalhado na legislação cível.
A Constituição, ademais, reconheceu, para efeito de proteção do Estado, "a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento" (art. 226, parágrafo 3º). A lei nº 9.278/1996, que a regulamentou, dispõe em seu art. 1º: "É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família". O Código Civil de 2002, no art. 1.723, adota o mesmo conceito.
Um dos maiores jusfilósofos da atualidade, Karl Larenz, em seu clássico "Metodologia da Ciência do Direito", leciona que o direito "desenvolve por si métodos de um pensamento "orientado a valores'".
Apesar dos não poucos percalços, prossegue a família sendo efetivamente a célula básica da sociedade, em que cada novo ser humano é gerado da união entre um homem e uma mulher, que lhe transmitem não só o patrimônio genético como também o psicológico, espiritual, cultural e de valores, constituindo, ademais, a ambiência fundamental para o seu desenvolvimento. É o elo imprescindível entre as diversas gerações que constituem uma nação -e, em amplitude, a humanidade.
A união entre pessoas do mesmo sexo é realidade diversa, tanto com relação a aspectos naturais e humanos como com relação a suas conseqüências -o que importa em tratamento diferenciado.
Não tem fundamento, pois, a meu ver, a pretensão de aplicação, a essa união, de regras do casamento ou da união estável entre homem e mulher.
E não altera tal situação a invocação a princípios gerais relativos à dignidade humana, à igualdade perante a lei ou à vedação de discriminação, que supõem, quando não exigem, tratamento distinto para situações distintas.
É esse o caso, aliás, dos impedimentos para o matrimônio (vide art. 1.521 do Código Civil de 2002), em razão dos quais alguns homens e mulheres são impedidos de casar.
Entendo, portanto, adequado o posicionamento da mais conceituada doutrina e da jurisprudência do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e de outros tribunais brasileiros que, a exemplo do legislador constitucional e cível, não admitem a "união estável entre pessoas do mesmo sexo". Nesse sentido, a douta jurista Maria Helena Diniz, que ressalta como primeiro dos "elementos essenciais" à configuração da união estável a "diversidade de sexo" ("Código Civil Anotado").
As várias questões decorrentes da união de pessoas do mesmo sexo, que constituiria uma sociedade de fato com características especiais, devem ser resolvidas, no meu entendimento, caso a caso, pelos tribunais, mediante aplicação de princípios gerais de direito, não admitindo, entretanto, a transposição pura e simples de regras da união estável entre homem e mulher, como bem decidido recentemente, de forma unânime, pela Terceira Turma do STJ.
Corroborando tal posicionamento, cabe lembrar a lição de um dos mais insignes juristas brasileiros, Caio Mario da Silva Pereira, a propósito de novos conceitos jurídicos, que me parece aplicável à questão: "É preferível que a elaboração pretoriana vá promovendo sua construção dentro da variedade dos casos da espécie, e destarte permitindo à doutrina uma flexibilidade conceitual mais proveitosa". ("Instituições de Direito Civil", vol. 5). Ademais, tratando-se de fenômeno social relativamente recente, ao menos em suas atuais dimensões, conviria observar sua evolução e conseqüências, tanto em nível individual como social.


PAULO SILVEIRA MARTINS LEÃO JUNIOR, 51, advogado, é presidente da União dos Juristas Católicos do RJ.

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