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RUY CASTRO
Minissaias de 1967
RIO DE JANEIRO - A história de
Geyse, a estudante agredida por
700 colegas de faculdade em São
Bernardo do Campo por usar um
vestido curto, me devolveu a 1967,
quando nós, os rapazes do 1º ano do
curso de ciências sociais da FNFi
(Faculdade Nacional de Filosofia),
no Rio, víamos com muito prazer o
fato de que a maioria das meninas
da turma ia de minissaia à aula.
Não eram minissaias sóbrias, a
menos de um palmo do joelho, como o vestido de Geyse. Eram muito
mais curtas. E nenhuma das moças,
por mais bonita, fazia aquilo para
provocar. Elas eram modernas, liberadas e gostavam de namorar
-claro que só namoravam quem
quisessem. Algumas liam Régis Débray; outras, Hermann Hesse; e,
ainda outras, "Peanuts"; mas todas
eram divertidas, inteligentes e politicamente atuantes.
No dia seguinte às passeatas contra a ditadura na avenida Rio Branco, uma ou duas apareciam na faculdade com as coxas e canelas salpicadas de curativos, resultado das
bombas de "efeito moral" que os
agentes do Dops soltavam no meio
da turba e, ao explodir, despejavam
estilhaços que cortavam de verdade. Ao contrário de nossos jeans,
grossos como couro e que nos protegiam as pernas, as minissaias expunham as garotas a esses riscos
-que elas enfrentavam com graça e
coragem.
Várias lutaram à vera contra os
militares e pagaram o preço, na forma de prisão, tortura, exílio ou
morte de alguém próximo. Mas, sabe-se como, todas completaram o
curso. No futuro, muitas se tornaram mestras ou doutoras respeitadas em suas carreiras, ainda que fora da sociologia.
Às vezes reencontro-as em reuniões aqui no Rio. Estamos 40 anos
mais velhos, mas, nas minhas fantasias, elas continuam as mesmas
meninas de 1967: alegres, responsáveis, cultas -e irresistíveis em suas
minissaias.
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