São Paulo, sexta-feira, 04 de novembro de 2011

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HÉLIO SCHWARTSMAN

Maconha, leis e bom-senso

SÃO PAULO - Alguns leitores ficaram bravos com minha coluna de anteontem, na qual eu sugeria que a polícia fizesse vista grossa para quem fuma maconha na USP. Vale, portanto, desenvolver a ideia.
No mundo real, policiais fecham os olhos diariamente para dezenas de violações à lei. E o fazem porque não é possível nem desejável implementar todas as normas em todos os casos. Aplicar a lei do aborto, por exemplo, exigiria a construção de 5,5 novos presídios femininos (unidades de 500 vagas) por dia só para abrigar cerca de 1 milhão de ex-futuras mamães que interrompem ilegalmente a gravidez a cada ano.
Qualquer Código Penal do planeta traz um bom número de dispositivos absurdos ou inócuos, alguns artigos às vezes úteis, mas que em várias situações precisam ser "esquecidos", e umas poucas leis fundamentais, para cujo cumprimento a sociedade deve, de fato, se esforçar.
Exemplos da primeira categoria são a norma da Tailândia que proíbe pisar em cédulas e moedas e o estatuto do Estado da Virgínia (EUA) que veta caçar animais selvagens aos domingos, "exceto guaxinins, que podem ser abatidos até as 2 h".
No segundo grupo, o das regras às vezes úteis, encontramos normas que têm uma racionalidade, mas que não devem ser aplicadas de modo draconiano, sob pena de gerar injustiças. É o caso dos artigos 280 e 282 do Código Penal brasileiro, que vedam fornecer remédio em desacordo com receita médica e o exercício ilegal da medicina. Na teoria, fazem sentido, mas podem converter-se numa ameaça se aplicados contra alguém que ceda um anti-inflamatório a colega com dor de cabeça.
Por fim, existem normas realmente importantes, como as que proíbem assassinatos, agressões, roubo e desvio de dinheiro público.
O policial sabe quase automaticamente quais leis ignorar com base num amplo conjunto de regras não escritas de sociabilidade, ao qual damos o nome de "bom-senso".


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