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GENÉTICA DE RESULTADOS
Assim como um dia ocorreu com a
química e a eletricidade, a genética já
de algum tempo perdeu a condição
de simples campo de investigação. A
análise do DNA, molécula-código da
hereditariedade, tornou-se uma indústria. Por estar na base de todas as
biotecnologias, da agricultura transgênica às terapias genéticas, o valor
intrínseco da tecnologia cresce de
forma exponencial e seu planejamento deixa de pautar-se exclusivamente
pela ética científica.
Exclusivamente, é de bom alvitre repetir. Porque a genética não deixou
de depender visceralmente da pesquisa básica, quase sempre sustentada por verbas públicas -em especial
no Brasil. Não se trata de abandonar
o imperativo da publicidade dos resultados da pesquisas, regra inescapável do método científico, mas de
reinterpretá-lo à luz da aproximação
célere entre laboratórios e mercado.
Tal é o dilema vivido neste momento por um dos projetos mais promissores do país, o Genoma do Câncer.
Ele recorre à genômica (sequenciamento, análise e interpretação de genes) para desvendar o funcionamento de tumores. Desse ponto de vista,
o da pesquisa de novas formas de
diagnóstico, prevenção e tratamento
do câncer, é evidente que os dados
devem ter divulgação imediata.
Ocorre que as sequências brutas de
DNA geradas pelo Genoma do Câncer podem adquirir enorme valor,
científico e comercial. Comparando-as com o recém-publicado sequenciamento do cromossomo 22, surge
a oportunidade de identificar com
precisão genes inteiros.
A Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (Fapesp) e o
Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o
Câncer, lideranças do Genoma do
Câncer, estudam adiar a publicação
das sequências, ou seja, seu depósito
em bancos de dados internacionais
acessíveis pela Internet. A idéia, que
será discutida na próxima semana, é
ganhar tempo para que os autores da
leitura do DNA possam avançar na
sua interpretação.
Recorrendo à feliz imagem do diretor científico da Fapesp, José Fernando Perez, o sentido da iniciativa é impedir que os geneticistas brasileiros
se tornem meros exportadores de
matéria-prima. Esses dados, brutos,
podem ser refinados no estrangeiro e
até mesmo patenteados. Como os
frutos terapêuticos dessa análise só
serão colhidos em anos ou décadas,
o período de carência em exame
-um ou dois meses- é compatível
com ambos os princípios, o desenvolvimento da ciência brasileira e o
avanço do combate ao câncer.
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