São Paulo, segunda-feira, 05 de junho de 2006

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VINICIUS TORRES FREIRE

O desarranjo brasileiro

SÃO PAULO - O sucesso eleitoral do governo Lula deve-se em boa parte à exploração dos limites do arranjo social e econômico que resultou da Constituição de 1988 e de sua reforma pelo Plano Real fernandino. Mas Lula esgotou as possibilidades desse arranjo, uma concertação de interesses a médio prazo insustentável.
Um ponto de apoio desse arranjo é a distribuição crescente de benefícios sociais para excluídos do mercado. Outro é a apropriação excessiva de fundos sociais pela classe média, caso das aposentadorias do setor público e de subsídios para educação, saúde e bens de consumo. Os juros resultantes da predominância do financismo ajudam a aquietar os mais ricos.
Tal arranjo está perto de levar o Estado ao limite de gastos, de taxação e de investimento. Pior, o congelamento da reforma do gasto público, politicamente confortável, torna o governo ainda mais refém dos representantes dos credores do Estado, as instituições financeiras.
O financismo apóia suas reivindicações em problemas reais, como a enorme dívida pública, mas barra o debate de alternativas. A mudança institucional forte no BC, por exemplo, parou em 1999. A reforma da dívida pública é bloqueada não só pela miséria programática do PT mas por interesse do mercado, que capturou instituições decisivas para a mudança (BC e Tesouro).
A crise do Congresso paralisa um núcleo de reforma desse arranjo social; outra fonte de paralisia são os movimentos sociais, inertes em parte devido ao PT. Mas a economia e o Estado não têm mais como sustentar a continuidade dessa concertação, quase toda movida a cala-bocas políticos e sociais insustentáveis. Sem crescimento, o arranjo brasileiro não terá de onde mais tirar dinheiro para financiar seus incentivos. Mas sem desfazer esse arranjo, sem impor perdas a setores sociais, é difícil vislumbrar de onde virá o crescimento.


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