|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
O Código Florestal Brasileiro deve ser modificado?
NÃO
O tiro sai pela culatra
THOMAS LEWINSOHN, JEAN P. METZGER, CARLOS JOLY e RICARDO RODRIGUES
A pressão para atualizar o Código Florestal Brasileiro (CFB) aflorou
nos últimos dois anos, fomentada
especialmente por parlamentares
ligados ao agronegócio. Tal como
outros intentos governamentais
que atritam com a área ambiental,
imprime-se a esse projeto caráter de
necessidade quase emergencial.
A pretendida reforma deveria remover o estrangulamento para a
expansão de terras agrícolas, hoje
supostamente bloqueada pela
combinação de áreas de preservação permanente (APP) e reservas
legais (RL). Só que esse bloqueio
não existe.
A suposta escassez de terras agricultáveis não resiste a estudo mais
criterioso, como o recentemente
coordenado pelo professor Gerd
Sparovek, da Escola Superior de
Agricultura da USP (Esalq).
Realocando para cultivo agrícola
terras com melhor aptidão, hoje
ocupadas com pecuária de baixa
produtividade, e aumentando a eficiência da pecuária nas demais, por
meio de técnicas já bem conhecidas, a área cultivada no Brasil poderá ser quase dobrada, sem avançar um hectare sequer sobre a vegetação natural.
A reforma também pretende retirar da ilegalidade muitas propriedades que não mantêm as APP e RL
estipuladas. Para isso, pensa-se em
fundir as APP com as RL e flexibilizar o uso destas últimas.
No entanto, as APP e as RL são
áreas que exercem papel complementar na conservação das paisagens rurais e não deveriam ser tratadas como equivalentes. Ademais,
o uso de RL com espécies exóticas
representa uma completa descaracterização dessas áreas.
Sob a desculpa de proteger as pequenas propriedades, as APP e RL
serão colapsadas, reduzidas e drasticamente transformadas, levando
a amplos desmatamentos e perda
de áreas protegidas, que não se destinam apenas a conservar espécies
e a promover o uso sustentável de
recursos naturais.
Elas asseguram uma gama de
serviços ambientais indispensáveis
à qualidade de vida humana e à
própria qualidade e produtividade
agrícola. Da proteção dessas áreas
dependem a regulação de cursos de
água, o controle da erosão, a polinização de diversas plantas cultivadas, o controle de pragas, o sequestro do carbono atmosférico e muitos serviços mais.
Qual a participação da comunidade científica competente na formulação dessas alterações? Quase
nula. Há muitos grupos científicos
pesquisando ativamente a conservação e restauração da biodiversidade e o desenvolvimento de metodologias que permitam a produção
agrícola com a efetiva preservação
do ambiente.
Nem os pesquisadores mais reconhecidos dessas áreas nem as sociedades científicas relevantes foram ouvidos. Os parlamentares decidiram quem são os cientistas que
merecem atenção e desqualificaram ou ignoraram todos os demais.
Passado quase meio século de intensas transformações, é necessário atualizar o CFB, facilitar a produção agrícola em pequenas propriedades, mas sem deixar de fortalecê-lo nos objetivos essenciais.
Se esses objetivos forem soterrados, haverá sérias consequências
para o próprio agronegócio, porque
não apenas se comprometerá os
serviços ambientais, mas o mero
cumprimento formal de legislação
ambiental inócua não irá assegurar
certificação ambiental respeitada.
E quem duvida de que tal certificação será cada vez mais exigida para comercializar qualquer commodity brasileira?
É hora de os agroparlamentares e
demais envolvidos compreenderem que as demandas ambientais
representam componentes indispensáveis da boa agricultura, bem
como da melhor qualidade de vida.
THOMAS LEWINSOHN é professor titular da
Unicamp e presidente da Associação Brasileira de
Ciência Ecológica e Conservação.
JEAN PAUL METZGER é professor da USP, onde
coordena o Laboratório de Ecologia de Paisagens.
CARLOS JOLY é professor titular da Unicamp e
coordenador do Programa Biota-Fapesp.
RICARDO RODRIGUES é professor titular da Esalq-USP, onde coordena o Laboratório de Restauração.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: Cesar Maia: Razões do voto e medo
Próximo Texto: Aldo Rebelo: Legislação atual é inaceitável
Índice
|