São Paulo, quinta-feira, 05 de julho de 2001

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CARLOS HEITOR CONY

Legados e prêmios

RIO DE JANEIRO - Já contei a história do Antero, contínuo do ""Correio da Manhã". Ele recebeu de herança um navio. Navio de verdade, deslocando não sei quantas toneladas, construído em estaleiro de boa credibilidade, desenvolvendo uma porrada de nós, navio completo de proa a popa.
Não sei nem ninguém ficou sabendo o que Antero fez com o navio. Mas tive outro exemplo da inutilidade da sorte. O pai ganhou, certa vez, um violão. Participara com módica importância da rifa promovida por outro contínuo, o Zé Porphyrio, este do ""Jornal do Brasil". O pai ficou com o número 22, foi sorteado, entrou ovante pela casa, tarde da noite, acordando todos nós com a preciosidade.
Ficamos alvoroçados, tentamos tirar algum som do legado. Maior do que o violão foi a certeza de que o destino batera à nossa porta e de que as coisas iriam melhorar.
Deu em nada. O violão, segundo um vizinho que tocava no regional do Benedito Lacerda, era uma droga, estava rachado, não servia para nada. E, mesmo se servisse, de nada nos adiantaria.
Mais complicado do que o navio do Antero e mais inútil do que o violão do pai foi o prêmio que o governo da URSS deu a um camponês nos idos stalinistas que incentivavam a coletivização da agricultura.
O mujique ganhou uma geladeira, a mais moderna produzida pela problemática indústria de consumo daqueles tempos austeros. E o próprio Stálin foi visitar o felizardo e a sua geladeira.
Não havia eletricidade onde o mujique morava. A geladeira se transformara num depósito de lixo, com a vantagem de ser hermeticamente fechada.
Nenhuma alusão ao atual problema que nos aflige. Tenho um amigo que desligou seu freezer, transformando-o num apêndice de suas estantes. Nele colocou a "Britânica" e os obesos catálogos de telefone -enquanto ainda tiver telefone.


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