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CARLOS HEITOR CONY
Legados e prêmios
RIO DE JANEIRO - Já contei a história do Antero, contínuo do ""Correio da
Manhã". Ele recebeu de herança um
navio. Navio de verdade, deslocando
não sei quantas toneladas, construído em estaleiro de boa credibilidade,
desenvolvendo uma porrada de nós,
navio completo de proa a popa.
Não sei nem ninguém ficou sabendo o que Antero fez com o navio. Mas
tive outro exemplo da inutilidade da
sorte. O pai ganhou, certa vez, um
violão. Participara com módica importância da rifa promovida por outro contínuo, o Zé Porphyrio, este do
""Jornal do Brasil". O pai ficou com o
número 22, foi sorteado, entrou
ovante pela casa, tarde da noite,
acordando todos nós com a preciosidade.
Ficamos alvoroçados, tentamos tirar algum som do legado. Maior do
que o violão foi a certeza de que o
destino batera à nossa porta e de que
as coisas iriam melhorar.
Deu em nada. O violão, segundo
um vizinho que tocava no regional
do Benedito Lacerda, era uma droga,
estava rachado, não servia para nada. E, mesmo se servisse, de nada nos
adiantaria.
Mais complicado do que o navio do
Antero e mais inútil do que o violão
do pai foi o prêmio que o governo da
URSS deu a um camponês nos idos
stalinistas que incentivavam a coletivização da agricultura.
O mujique ganhou uma geladeira,
a mais moderna produzida pela problemática indústria de consumo daqueles tempos austeros. E o próprio
Stálin foi visitar o felizardo e a sua
geladeira.
Não havia eletricidade onde o mujique morava. A geladeira se transformara num depósito de lixo, com a
vantagem de ser hermeticamente fechada.
Nenhuma alusão ao atual problema que nos aflige. Tenho um amigo
que desligou seu freezer, transformando-o num apêndice de suas estantes. Nele colocou a "Britânica" e
os obesos catálogos de telefone -enquanto ainda tiver telefone.
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