São Paulo, quinta-feira, 05 de julho de 2001

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Aprendizagem como meta da oposição

ESTHER PILLAR GROSSI


Como a terra não pode ficar nas mãos de uns poucos latifundiários, os saberes têm de dar o seu sabor a todos


Uma oposição consistente na área da educação tem de superar as metas de acesso resumidas no slogan "Nenhuma criança sem escola". Isto é, toda criança na escola, mas aprendendo de verdade, uma vez que a conquista mais significativa sobre a inteligência é que não nascemos inteligentes, ficamos inteligentes aprendendo -e todos podem aprender.
O não-investimento nessa aprendizagem para todos, quer pelas razões da direita -"para os êxitos na economia, não é pré-requisito todos aprendendo"-, quer por razões de uma pequena parte da esquerda -"o pior analfabeto é o analfabeto político, ou seja, é mais importante politizar do que dar acesso ao poder do saber, em particular ao poder do acesso à forma mais ampla do saber, que é o escrever"-, gera uma nação dependente e uma sociedade cada vez mais vulnerável à violência.
Enquanto houver intelectuais que ousem afirmar que é uma honra existir um governo que aceita alunos na quinta série sem saber ler nem escrever -aceitação justificada pela falácia de que, "em compensação, eles conhecem os seus direitos de cidadão"-, seremos prisioneiros de um dos embustes mais nefastos, que é o da ignorância.
Que direitos de cidadão esses alunos podem conhecer, se desconhecem um de seus mais fundamentais, que é o de não estarem marginalizados no mundo letrado atual. Essa marginalização é um dos traços mais fortes de anticidadania.
Em contato direto com as tarefas de alfabetizar tanto crianças quanto adultos, sobretudo em contato mediado pela interdisciplinaridade de uma equipe de especialistas -dentre eles antropólogos, sociólogos e psicanalistas, além de pedagogos e professores de variadas disciplinas-, apalpa-se o mal-estar dos analfabetos.
Estamos entrevistando os 127 funcionários terceirizados do Congresso que participaram, no ano passado, do programa de alfabetização "Volta aos Estudos", da Subcomissão de Educação de Jovens e Adultos, da Câmara. Perguntamos a eles o que é um analfabeto. A resposta é unânime: "É alguém que não se sente com coragem de olhar as pessoas, que fala pouco, para não dar na vista, que tem vergonha, porque não sabe ler". Alguns chegam à dolorosa explicitação de que um analfabeto faz de tudo para parecer invisível.
Puxa, que marginalização!
É legítimo pensar que o analfabetismo das letras pode ser melhor do que o analfabetismo político? Os dois estão visceralmente acoplados na marginalização que aquele provoca.
Brecht, na Alemanha do início do século passado, escreveu que o pior analfabeto é o analfabeto político. Provavelmente nem pensava em analfabetismo das letras, sobretudo na dimensão do analfabetismo no Brasil -mais de 15 milhões de analfabetos absolutos, 35 milhões de analfabetos funcionais acima de 15 anos e 50% de insucesso anual nas classes de alfabetização de crianças. Ele apelava para o engajamento político dos que já eram alfabetizados, mostrando a pobreza da alienação e as suas graves consequências.
Inferir-se daí que é possível alfabetização política sem letramento é certamente uma conclusão equivocada e criminosa. O mesmo se pode dizer da escolaridade para além da alfabetização.
O fato de que alguns até doutores sejam despolitizados ou que príncipes das academias sejam maus políticos não permite deduzir que o conhecimento é coisa da direita, dos conservadores, dos que não querem as transformações.
Essa apropriação indébita do poder dos conhecimentos por uma minoria que os utiliza para aumentar as injustiças é uma das mais poderosas armas contra a democracia. Os conhecimentos são patrimônio e riqueza de todos. Como a terra não pode ficar nas mãos de uns poucos latifundiários, os saberes têm de dar o seu sabor a todos, especialmente agora, que a ciência demonstra que todos podem aprender.
Em educação, um bom programa de governo obrigatoriamente inclui a novidade de melhorar, clara e objetivamente, o nosso nível de resultados escolares. Os alunos podem aprender, desde que sejam devidamente provocados por um jeito novo de ensinar. A oposição só cumprirá realmente o seu papel se promover o resgate integral da cidadania e se assumir como meta o sucesso nas aprendizagens, não na manutenção de uma mera escola formal.


Esther Pillar Grossi, 65, doutora em psicologia da inteligência pela Universidade de Paris (França), é deputada federal (PT-RS).



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